Imigrantes denunciam racismo para arranjar casa

Céu Neves, in Diário de Notícias

Relatório europeu sobre racismo e discriminação, que hoje será divulgado, revela que as comunidades étnicas em Portugal queixam-se de dificuldades na compra e aluguer de habitação. Um dos principais problemas apresentado é o acesso ao crédito bancário.

Os imigrantes dizem ter dificuldades em comprar ou alugar casa, o que se deve sobretudo à impossibilidade de acederem ao crédito. Os ciganos são os que se sentem mais discriminados no acesso à habitação, mas também é verdade que é o grupo étnico que mais se queixa de discriminação em Portugal. Isto, segundo um estudo da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA), que hoje será apresentado na Gulbenkian.

Alugar uma casa ou mesmo comprar revela-se uma impossibilidade para a maioria dos ciganos, indica o relatório Research Survey on Migrants, Experiences of Racism and Discrimination in Portugal, da FRA. Mas não são os únicos a reclamarem, já que 60% dos inquiridos têm o mesmo tipo de dificuldade. Por exemplo, mais de metade dos inquiridos para o estudo, oriundos do Brasil e da Ucrânia, tentaram obter um crédito para comprar casa e foi-lhes negado.

O relatório é baseado em 2000 questionários realizados em 2005 junto de cinco comunidades a residir em Portugal: brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, ucranianos e ciganos. Indica a percepção que têm da forma como são tratados no País, sendo que, na prática, o problema da habitação é uma realidade sempre apresentada por estas comunidades.

Gonçalo Moita, responsável pela Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), sublinha que há uma diferença entre "percepção" e "discriminação efectiva". No entanto, acrescenta, "se as comunidades se queixam é porque têm razões para isso e a actuação da Comissão é no sentido de que os imigrantes reclamem os seus direitos". A CICDR recebeu 74 queixas em 2008, um número que se tem mantido estável. Duas reclamavam de agências imobiliárias e duas da recusa de crédito bancário.

Mas são as relações laborais que motivam mais queixas, 15, o que significa 20% do total. Uma discriminação que no relatório é apresentada sobretudo por guineenses. Protestam por serem recusados num emprego devido à etnia. Já os ucranianos sentem-se preteridos em favor dos portugueses quando se trata de uma promoção. E os brasileiros denunciam insultos no trabalho.

Tiago dos Santos, coordenador do estudo, justifica que os "ucranianos sentem-se defraudados em relação às expectativas que têm por terem habilitações elevadas [quase metade tem formação superior]". Mas o que este investigador realça é o facto de os ciganos serem portugueses e serem a etnia mais discriminada.

"É evidente que há um grande problema de discriminação nesta etnia, devendo o seu combate ser considerado como prioritário", é uma das recomendações do relatório.

É no barramento do acesso a determinados locais, como lojas e restaurantes, onde a comunidade cigana parece ser a mais desfavorecida. A maioria dos ciganos indica que já foi impedido de entrar numa loja, o mesmo se passando em relação aos restaurantes e às casas de diversão nocturna.

Em relação ao tratamento da administração pública, a maioria dos imigrantes inquiridos não revela actos de discriminação. No entanto, 16% dos ciganos dizem ter sido discriminados num organismo público.

O relatório foi desenvolvido pelo Númena, centro de investigação em ciências sociais, e tem o apoio da Comunidade Europeia. Será apresentado hoje às 18.00 na Gulbenkian, com introdução de Jorge Vala e participação de Rosário Farmhouse, alta comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural, estrutura que também patrocina a investigação.