Natacha Palma, in Jornal de Notícias
Corte nas despesas leva muitos a isolarem-se. Instabilidade aumenta com incerteza em empresas
Levar os filhos ao basquetebol, carregar-lhes os telemóveis sempre que pedem, comprar uma peça de roupa só por ser bonita, sair à noite com os amigos ou simplesmente tomar o pequeno-almoço ou lanchar no café. "Liberdades" a que grande parte dos mais de 3500 desempregados de Ovar sente que já não se pode dar ao luxo de ter.
Se os números do desemprego são bem mais assustadores no concelho vizinho de Santa Maria da Feira, com os seus quase 7700 inscritos no centro de emprego, a verdade é que Ovar está a viver o actual momento como se o mundo lhe tivesse desabado em cima. As notícias de despedimentos, de fechos de empresas, de situações de lay-off e afins são quase diárias.
A isso se deve, em parte, à forte presença no concelho de multinacionais como a Yazaki Saltano e a Philips, bem como empresas nacionais líderes de mercado, como a Aerosoles e a Lusotufo, todas muito dependentes do estado da economia mundial e consequentemente suas vítimas.
Só em Março, inscreveram-se no centro de emprego mais de 400 pessoas. Ontem, esse número aumentou com o fecho da fábrica de calçado Arauto e com despedimento de 152 pessoas. Maria do Céu Ramos foi uma delas. Ontem, trocou números de telefones para não perder contactos. "Estou desemparada", disse, a chorar, acrescentando que o marido está de baixa.
"Muitos tomavam o pequeno-almoço nos cafés e isso torna-se cada vez mais raro. Já não se vê gente nas esplanadas a beber umas cervejas e a petiscar", contou Solange Muge, presidente da Associação Comercial de Ovar. "Multiplicam-se as lojas que fecham no concelho. As pessoas não têm dinheiro, têm medo do que por aí vem e, por isso, não saem de casa, isolam-se", continuou. "São pessoas que trabalharam anos na mesma empresa, que ali cresceram, conheceram quem mais tarde vieram a formar família, que tinham uma vida estável, e que de repente obrigam-se a aceitar uma nova realidade, a de, em alguns casos, ter mesmo de pedir ajuda para pôr comida na mesa", explicou o pároco de Ovar, Manuel Pires Bastos.
Não é à toa, por isso, que tanto a Conferência Vicentina como a delegação local da Cruz Vermelha Portuguesa têm de ajudar cada vez mais famílias necessitadas.
"Ainda assim, assiste-se, em Ovar, a situações de pobreza envergonhada, famílias que nunca antes se viram em tais dificuldades, que tinham compromissos, mas também tinham rendimentos certos", concluiu.