João Ramos de Almeida, in Jornal Público
A travagem da actividade na construção civil influenciou fortemente a redução do investimento privado
A recessão também vem de dentro. No primeiro trimestre de 2009, o investimento caiu a pique. A quebra foi de quase 20 por cento face ao mesmo período de 2008 e arrastou as importações. O consumo privado registou uma quebra igualmente histórica de 1,7 por cento. Mas a quebra da procura externa explicou a descida abrupta das exportações.
O retrato retira-se dos números das contas nacionais trimestrais do Instituto Nacional de Estatística (INE), ontem divulgadas. Os números confirmam um aprofundamento da recessão no primeiro trimestre de 2009 que já se traduzira em números históricos do crescimento do desemprego.
Os valores do INE reflectem essa tendência. O emprego total tem vindo a diminuir desde o terceiro trimestre de 2008 e o emprego por conta de outrem começou a ser afectado desde 2009, com efeitos no consumo e na actividade económica. No primeiro trimestre de 2009, o produto interno bruto (PIB) registou uma quebra de 3,7 por cento face ao mesmo período de 2008. Um valor que prolongou a tendência de abrandamento económico que vem desde 2007 e que mergulhou em recessão desde o final de 2008.
Os analistas mais optimistas sublinham a importância de a variação em cadeia - do trimestre face ao trimestre anterior - mostrar uma atenuação da quebra de actividade. De menos 1,8 por cento no quarto trimestre de 2008 para 1,6 por cento no primeiro trimestre de 2009. Os dados mais recentes do comércio extracomunitário registaram uma quebra mais atenuada. Nos três meses terminados em Abril passado, as exportações - que pesam cerca de um terço do comércio internacional - diminuíram 23 por cento, quando no primeiro trimestre de 2009 tinham caído 28 por cento.
Mas nem o próprio ministro das Finanças arrisca. "Continuamos a estar envolvidos numa neblina de incerteza", ainda que haja "sinais de esperança" sobretudo internacionais, declarou ontem.
A nota do INE sublinha o aspecto de a contracção da actividade económica ter estado "associada" à quebra particularmente intensa da procura interna - menos 5,1 por cento -, bastante superior às quebras verificadas na recessão de 2003 e mesmo no passado mais distante.
Quebra do investimento
A primeira explicação para a forte diminuição está na quebra abrupta do investimento. Passou de uma diminuição de menos 7,6 por cento no último trimestre de 2008 para menos 19,8 por cento no primeiro de 2009. Na recessão de 2003, a diminuição foi mais atenuada e o valor mais baixo dessa depressão, em termos homólogos, foi de menos 10,8 por cento.
Em larga medida, o investimento na construção "foi uma vez mais a componente do investimento que registou o contributo mais intenso para a diminuição do PIB" (menos 1,5 pontos percentuais nos 3,7 por cento), refere a nota. E o investimento em material de transporte foi a componente que registou a diminuição "mais intensa" no primeiro trimestre de 2009 - menos 43,7 por cento em volume. Isso apesar de o ponto de comparação de 2008 ter sido afectado por fortes importações atípicas de material aeronáutico. Segundo o INE, as vendas de veículos automóveis diminuíram "intensamente" no primeiro trimestre de 2009, fossem ligeiros de mercadorias, pesados ou ligeiros de passageiros.
As despesas das famílias - que representam cerca de dois terços do PIB - registaram igualmente uma quebra no primeiro trimestre de 2009 face ao de 2008. Foi menos 1,7 por cento, contra uma variação positiva no último trimestre de 2008 (1,1 por cento).
Essa diminuição do consumo ficou sobretudo a dever-se a uma redução das despesas em veículos automóveis, que poderá ter sido antecipada para 2008 para não serem afectadas pelas alterações fiscais aprovadas para 2009.
Já as despesas em bens não duradouros (bens alimentares e correntes) aumentaram 0,6 por cento, mas estão a reduzir-se. No último trimestre de 2008, verificou-se uma subida homóloga mais elevada - 1,4 por cento.
A recessão internacional está, porém, a afectar a economia. As exportações diminuíram, segundo o INE, de forma "expressiva". Uma diminuição histórica e abrupta de 20,8 por cento, sobretudo na componente da venda de bens (de menos 11,3 para menos 25 por cento).
A forte diminuição das importações - juntamente com a redução dos preços das matérias-primas importadas (petróleo e derivados) - teve o dom de reduzir o défice comercial. Passou de 9,3 por cento do PIB no último trimestre de 2008 para 6,5 por cento no primeiro trimestre de 2009.