8.9.09

Dona Lourdes só avia da farmácia quando pode

Gina Pereira, in Jornal de Notícias

Idosa com reforma de 360 euros desconhece que tem direito a genéricos gratuitos


O coração fraco - já pôs três pacemakers - obrigou-a a reformar-se aos 58 anos, trazendo para casa "16 contos" (actualmente 80 euros) por 37 anos de serviço.

Maria de Lourdes Agapito, hoje com 82 anos, deixou o escritório onde trabalhava como primeira-escriturária na Baixa de Lisboa, mas ganhou tempo para se dedicar à sua paixão: a escrita de poemas, "vocação" que descobriu aos 8 anos e que lhe tem valido vários prémios e reconhecimento nacional e internacional, como atestam os muitos diplomas e medalhas espalhadas pela casa. "Sempre sem ganhar dinheiro. Os poetas não ganham dinheiro. Os poetas morrem à fome".

A frase não é para ser levada à letra, mas a verdade é que, tal como milhares de reformados portugueses, Maria de Lourdes faz muitas contas ao mês para conseguir que os cerca de 360 euros que recebe de reforma cheguem para a mercearia e para a farmácia. "A vida dos velhos é difícil", lamenta. "Sempre de olho nos preços para escolher o mais barato".

Quando vai às compras - abastece-se num minimercado ao lado da porta de casa, porque lhe custa muito a andar e a carregar os sacos - opta pelo peixe congelado, "porque o fresco é muito caro". E, por norma, só almoça. "À noite como uma sopa ou bebo um copo de leite ou chá com bolachas. Se eu almoçasse e jantasse todos os dias, não dava. A gente não se pode alargar muito".

Na farmácia, Dona Lourdes não sabe ao certo quanto dinheiro deixa todos os meses, mas tem na ponta da língua o nome dos medicamentos que toma diariamente. Um para evitar que volte a sofrer uma trombose (há oito anos, um AVC afectou-lhe o braço direito), outro para o colesterol, outro para controlar a tensão arterial e outro cuja utilidade não se lembra, mais os vários pingos para os olhos. "Já houve alturas em que tomei muito mais [comprimidos]. Agora deixei-me disso".

Dona Lourdes mostra as caixas dos medicamentos, todos de marca. A médica não lhe prescreve genéricos? "Ela às vezes aconselha. Se ela me passar, eu tomo". Lourdes desconhece que, desde Junho, o Governo passou a comparticipar a 100% os medicamentos genéricos dos pensionistas com rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional, mas já decidiu que vai falar do assunto à médica. Até agora, as idas à farmácia dependiam dos euros que tinha na carteira. "Não compro tudo de uma vez. As pensões são muito baixas e há muitas dificuldades", diz, pedindo "a Deus" que nunca acabem com o pouco que lhe "dão" todos os meses.

Ao JN, o bastonário da Ordem dos Médicos reconhece que "não há justificação" para que um médico não receite medicamentos genéricos - em média, custam um terço do preço dos originais -, "desde que não seja alterada a sua prescrição, o que infelizmente às vezes acontece", denuncia. Ainda assim, Pedro Nunes garante que, desde que os genéricos foram introduzidos em Portugal, "os médicos rapidamente começaram a receitá-los". E afiança que, dos medicamentos que têm genéricos, "os médicos receitam entre 45 a 50%", percentagem que "aumentará muito mais" se houver garantias de respeito pelo laboratório que escolhem.

O presidente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos (APOGEN), Paulo Lilaia, acredita que, no final do ano, o mercado de genéricos em Portugal vai atingir, pela primeira vez, a quota de 20%, em grande parte devido a esta decisão do Governo. "Foi a medida mais importante tomada nesta área até à data", disse, mostrando-se convicto de que terá um efeito "cadeia": "não só os idosos, mas também as suas famílias, vão perceber que podem confiar nos genéricos".

Essas são dúvidas que Maria de Lourdes não tem: "Dizem que é tudo a mesma coisa...Se me passarem, eu tomo". A viver sozinha no terceiro andar de um prédio sem elevador na Baixa lisboeta - o marido faleceu em Dezembro -, são outras as preocupações que lhe tiram o sono: "Tenho muito medo. Se me acontecer alguma coisa, não tenho ninguém no prédio que me dê um copo de água". Desde que ganhou forças para voltar a sair à rua, são as actividades na Junta de São Nicolau - em que participa duas vezes por semana - que a animam. "Isto aqui tem-me feito muito bem. Espero que o presidente cá fique!"

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