1.1.10

Apoios só salvam 23% da pobreza

Tiago Rodrigues Alves, in Jornal de Notícias

O ano da luta contra a pobreza e exclusão social pretende chamar a atenção para um problema que afecta um quinto de toda a população europeia. Em Portugal, sem apoios sociais, 41% das pessoas estariam abaixo do limiar da pobreza. Há pouca margem para mais ajudas.

O tema foi escolhido no início de 2008, quando a economia florescia e nada fazia prever a tempestade financeira que se avizinhava. Se naquela altura a pobreza e a exclusão social já eram motivo de preocupação, hoje, depois de uma crise económica sem precedentes e que levou à falência centenas de empresas e ceifou milhares e milhares de empregos, dificilmente se poderia pedir um tema mais pertinente para dar o mote ao Ano Europeu.

Ainda não há dados oficiais para o ano que ontem findou, mas as instituições de solidariedade são unânimes em afirmar que há mais famílias carentes e que a pobreza atinge cada vez mais as pessoas empregadas. Por exemplo, a Assistência Médica Internacional acena com os 1836 pedidos iniciais de apoio social que recebeu no primeiro semestre de 2009, mais 24% do que no ano anterior.

Aos portugueses também não escapa esta realidade. Segundo o Eurobarómetro de Outubro, 61% dos cidadãos nacionais acreditam que o nível de pobreza aumentou fortemente nos últimos 12 meses. A sondagem também revela que muitos já esticaram os rendimentos até ao limite e começam a sentir na pele as dificuldades.

Se confrontados com uma despesa extra de 1000 euros nos próximos 12 meses, 88% dizem que provavelmente não a conseguiriam pagar. E é cada vez mais difícil fazer face às despesas fixas: 6% estão a deixar de pagar algumas contas, 37% dizem que lutam constantemente para as pagar e 36% dizem que, de vez em quando, têm dificuldades.

Por último, 16% dos portugueses admitem que no último ano, pelo menos por uma vez, ficaram sem dinheiro para pagar as contas fixas ou comprar bens de primeira necessidade.

Se, como tudo indica, as coisas estão piores este ano, então, há motivo para preocupação. É que no ano passado a situação já era bastante má. Segundo os indicadores do Instituto Nacional de Estatística divulgados esta semana, em 2008, 18% dos portugueses (quase dois milhões de pessoas) viviam abaixo do limiar da pobreza.

Este número seria bem pior sem os apoios sociais já que as pensões conseguem retirar do limiar da pobreza 16% dos portugueses e os restantes apoios outros 7%.

Estado condicionado

Todavia, o Estado poderá não ter grande margem de manobra para apoiar as situações de pobreza desencadeadas este ano. "A capacidade do Estado em auxiliar estas situações é cada vez mais condicionada pelas restrições orçamentais causadas pelo défice excessivo", considera João Loureiro, professor da Faculdade de Economia do Porto.

Ainda para mais quando, "se calhar, ainda há desemprego que há-de aparecer", acrescenta. Também do lado das receitas não haverá grande margem de manobra para arrecadar fundos. "Não é possível aumentar a carga fiscal sobre os lucros e rendimentos de trabalho. Sobre as transacções, talvez, mas o próprio Governo admitiu que não irá aumentar os impostos", recorda.

O economista acredita que temos "criada, ao nível dos mais jovens, uma cultura de subsídiodependência". Para João Loureiro, "exceptuando o caso dos mais idosos que, por si próprios, não têm capacidade de melhorar a sua situação económica, o grande investimento do Estado para combater a pobreza devia ser ao nível da educação e com apoios em espécie, o que não passa necessariamente por gastar mais dinheiro".