Nuno Miguel Ropio, in Jornal de Notícias
Nível de pobreza levou à retirada de três menores a uma mãe. Segurança Social considera que duas casas de banho e higiene habitacional são factores primordiais para a estabilidade mental das crianças.
Tem dois séculos o seguinte trecho: "Um homem que nasce num mundo ocupado, se não lhe é possível obter dos seus pais meios de subsistência e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho, não tem o direito a reclamar a mínima parte de alimentação e está a mais". O seu autor? Thomas Malthus, o mesmo pastor anglicano que, além desta passagem do seu "Ensaio sobre o Princípio da População", em 1798, defendia a prática da castidade e uma limitação de filhos imposta aos casais pobres, para que não ocorresse a "praga biológica" da pobreza.
Ora, no domingo, após umas pequenas férias natalícias, Marília Batista - pobre, longe de ser casta, trabalhadora rural e com uma prole de três pequenos - , uma mãe solteira que em tudo pode causar distúrbios às mentes malthusianas, terá de entregar os filhos no Centro de Acolhimento Temporário (CAT) de Praia do Ribatejo, em Vila Nova da Barquinha.
Há um ano e meio que as crianças ali estão internadas devido a uma decisão do Tribunal de Vila Franca de Xira, para a qual contribuiu - muito - um relatório da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Salvaterra de Magos, que apontou a pobreza e a falta de condições na habitação familiar como razões para a retirada dos menores, a 20 de Junho de 2008.
Casas-de-banho obrigatórias
O episódio levou a que a população de Foros de Salvaterra, onde vive a família, mobilizada pela Associação Shorinji Kempo de Salvaterra, conseguisse em meses erguer uma casa nova e mobilá-la. Mas as perspectivas malthusianas parecem perseguir Marília: o último relatório da técnica da CPCJ volta a frisar a sua pobreza e a "falta de higiene" na casa.
"Quando veio cá [a técnica] para avaliar se havia condições para os meninos voltarem, estava a viver com a minha irmã porque não tinha os meus filhos comigo. Constou então no relatório que havia uma frigideira com óleo em cima do fogão, a sanita estava suja e o chão com terra [estamos a falar de uma zona rural]", conta, ao JN, a mulher, de 30 anos, a quem o marido deixou no meio deste processo.
A população acabou por realizar uma vigília contra a funcionária da CPCJ. "Há aqui, parece-me, uma nítida intenção de se levar o tribunal a manter esta decisão", explicou Jorge Monteiro, presidente da Shorinji Kempo, revelando que o valor da casa construída atingiu os 30 mil euros. "Já tínhamos a casa de banho feita [maior que muitos quartos por este país fora] quando a técnica exigiu uma segunda casa-de-banho. Tivemos de partir tudo. Quantas famílias em Portugal têm duas casas de banho e precisam delas para serem felizes?", questiona, adiantando que o tribunal reavaliará a decisão a 10 de Março de 2010.
Tatiana, Filipe e Soraia, de 12, 8 e 5 anos, respectivamente, têm em comum com outros casos naquela área, já noticiados pelo JN, o facto de serem retirados à família devido à pobreza e à falta de condições habitacionais, mas a quem a Segurança Social fornece pouco apoio e opta pelo caminho mais rápido. "Pedi-lhes uma janela para a casa e nem isso me deram. Eu, que nem sequer pedi um Rendimento Mínimo", ironiza Marília.
Coincidência ou não, na tarde em que encontrámos a família, esta fazia-se acompanhar por Isabel Moreira, a mesma mulher a quem a mesma CPCJ tirou há dois anos as duas filhas por não ter uma casa de banho. O que fazia ela lá? Aguardava o JN, para agradecer o facto de ter sido graças à iniciativa "Todo o homem é meu irmão" que recebeu 2500 euros para a construção da referida divisão da casa.
"Neste país não podemos ser pobres. Mais do que ninguém, gostamos nos nossos filhos e damos-lhes tudo o que podemos. Mas temos um defeito, sabe qual é? Trabalharmos no campo", conclui Marília.