2.1.10

Dívida externa e desemprego podem levar a "situação explosiva"

Por Luciano Alvarez, in Jornal Público

Há um ano Cavaco alertava para o "crescimento explosivo da dívida externa". Ontem juntou o desemprego à dívida e carregou nas críticas


Foi um discurso de frases curtas, directas e duro para o trabalho do Governo. Na sua mensagem de Ano Novo, ontem dirigida aos portugueses, Cavaco Silva traçou um cenário negro da situação económica do país, dizendo mesmo que "podemos estar a caminhar para uma situação explosiva". Sem nunca falar em retoma, pediu mais exigência e responsabilidade e afirmou que "o exemplo tem de vir de cima".

Ao nível político, o Presidente da República (PR) disse que os portugueses "compreenderiam mal que os diversos líderes políticos não se concentrassem na resolução dos problemas" e pediu um entendimento no Parlamento para o Orçamento do Estado. Cavaco Silva afirmou ainda que há também uma crise de valores e que é preciso "recuperar o valor da família".

O PR começou o seu discurso lembrando que já há um ano tinha referido que 2009 "iria ser um ano muito difícil", que receava "o aumento do desemprego, do risco de pobreza" e que Portugal "gastava em cada ano mais do que aquilo que produzia".

"Quando proferi estas palavras, não o fiz com um propósito político. Enquanto PR, estou acima do combate político e partidário. Falo aos portugueses quando entendo que o interesse do país o justifica e faço-o sempre com um imperativo: nunca vender ilusões nem esconder a realidade do país", acentuou.

É então em "nome da verdade" que o chefe de Estado volta a sentir "a obrigação de alertar para a situação difícil em que o país se encontra". Lembrou que o desemprego "subiu acentuadamente, atingindo, no terceiro trimestre, 548 mil pessoas", mas disse este não "é o único motivo de preocupação".

Cenário negro

E foi a partir daqui que traçou um cenário negro sobre a situação económica do país: "A dívida do Estado tem vindo a crescer a ritmo acentuado e aproxima-se de um nível perigoso"; "o endividamento do país ao estrangeiro tem vindo a aumentar de forma muito rápida, atingindo já níveis preocupantes"; "o tempo das taxas de juro baixas não demorará muito a chegar ao fim"; "se o desequilíbrio das nossas contas externas continuar ao ritmo dos últimos anos, o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, ficará seriamente hipotecado"; "quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura"; "com este aumento da dívida externa e do desemprego (...) podemos caminhar para uma situação explosiva".

Ao contrário do que tem feito o primeiro-ministro nos últimos tempos, o PR não falou uma só vez em sinais de retoma ou em indícios de recuperação económica. Preferiu antes lembrar que Portugal continua a "ser ultrapassado, em termos de nível de desenvolvimento, por outros países da União Europeia" e que "baixou para a 19.ª posição, estando apenas à frente de oito países da Europa de Leste que aderiram há poucos anos à UE".

Por isso, voltou mais uma vez a afirmar que é tempo "de maior exigência e elevada responsabilidade" para todos, mas ainda mais "para os detentores de cargos públicos": "O exemplo deve vir de cima. O país real, que quer trabalhar, que quer uma vida melhor, espera que os agentes políticos deixem de lado as querelas artificiais, que em nada resolvem os verdadeiros problemas das pessoas." E diz Cavaco: "Não é tempo de inventarmos desculpas para deixarmos de fazer o que deve ser feito", porque o país está "perante uma das encruzilhadas mais decisivas" da sua "história recente". "É por isso que, em consciência, não posso ficar calado", frisou.

"Face à gravidade da situação", o PR disse ainda que "é preciso fazer escolhas" e "estabelecer com clareza as prioridades". E para Cavaco Silva elas são "o reforço da competitividade externa das empresas" e apoio "aos mais vulneráveis e desprotegidos".

Acordo no OE

Da economia, o PR partiu para a situação política. Lembrando que "nos últimos tempos" tem ouvido "muitos apelos" para que "intervenha activamente na vida política", Cavaco lembrou que não cabe ao chefe de Estado "intervir naquilo que é o domínio exclusivo do Governo ou naquilo que é a actividade própria da oposição". "Portugal dispõe de um Governo com todas as condições de legitimidade para governar", acrescentou.

E salientou que o "novo quadro parlamentar, aliado à grave situação económica e social", exige "especial capacidade para promover entendimentos da parte de quem governa, a que deve corresponder, por parte da oposição, uma atitude de diálogo e uma cultura de responsabilidade". Para o PR, "seria absolutamente desejável" que os partidos políticos "chegassem a um entendimento sobre um plano credível para o médio prazo, de modo a colocar o défice do sector público e a dívida pública numa trajectória de sustentabilidade". O Orçamento do Estado para 2010 é "o momento adequado para essa concertação política."

O PR aproveitou a seguir o centenário da República, que se comemora este ano, para lembrar que a crise não é apenas económica. "É, também, uma crise de valores." Numa altura em que a sociedade portuguesa debate o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o PR disse ser necessário "recuperar o valor da família". "O esbatimento dos laços familiares tem sido um dos factores que mais contribuem para agravar as dificuldades que muitos atravessam."

Fala ainda na importância de "valorizar a prática do valor da ética republicana" e de restaurar o valor da confiança nas instituições e na justiça". "Os portugueses têm de acreditar que existe justiça no seu país, que ninguém está acima da lei", disse.