22.1.10

Lei ajuda consumidores cegos a fazer compras

Sandra Alves, in Jornal de Notícias

Legislação em vigor há um ano é "positiva" mas ACAPO admite pedir revisão


Já algum dia experimentou ir ao supermercado de olhos vendados? Para evitar que os consumidores cegos e de baixa visão façam compras "às escuras", a lei 33/2008 prevê o acompanhamento na loja e a etiquetagem em Braille dos produtos adquiridos. Veja o vídeo.

Mariana Rocha, de 30 anos, residente do Porto, costuma fazer compras através da Internet. "É mais simples e mais rápido". Desde que a nova lei entrou em vigor, há um ano, "os produtos são entregues em casa com etiquetas em Braille. Apenas tive de solicitar esta opção quando fiz o registo", disse ao JN.

Sem este serviço, o segredo é "organizar a despensa e memorizar", mas por vezes acontecem imprevistos. "Já me aconteceu abrir uma lata de feijão a pensar que era ananás em calda", confessa, chamando a atenção para a semelhança das embalagens.

No caso dos iogurtes, por exemplo, há muitas variantes - aromas, pedaços, cremosos, magros, bífidos - e sabores. O mesmo acontece com leite, vinhos e sumos, cuja embalagem (tetrapak) é idêntica.

A lei 33/2008 obriga a que na etiqueta seja escrito o nome, validade e características principais do produto. "Se com o nome e a validade não há problema, o mesmo não acontece com as características do produto, uma vez que é um conceito relativo", aponta Mariana, também vice-presidente da ACAPO - Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal. "Por exemplo, nem sempre é referido se o leite é magro ou meio gordo", explica. "As etiquetas por vezes são pouco legíveis. Em produtos congelados ou que precisam de frigorífico o Braille apaga-se com facilidade", acrescenta ainda Mariana Rocha.

Helena Fonseca, de 46 anos, residente na Damaia, arredores de Lisboa, também partilha desta opinião. "A qualidade do papel devia ser melhorada, devia ser mais grosso. Assim o Braille aguentava mais", defende. "Ao passar o dedo para colar a etiqueta, durante o transporte, com outros produtos sobrepostos, etc. quando chega ao destino o Braille já está diferente".

Adepta do serviço de encomendas por telefone, Helena Fonseca alerta também para a importância da colagem da etiqueta. "Quando não fica direita ao colar, basta uma pequena ruga para dificultar a leitura" na ponta dos dedos.

A ACAPO considera a lei "um passo muito positivo", mas desejava que "fosse revista ou alterada".

"A informação em Braille devia ser uma obrigação na origem, como já acontece com os medicamentos", justifica a vice-presidente, Mariana Rocha. "É uma lei imperfeita", acrescenta, por só obrigar a existência dos serviços num espaço comercial por concelho. Para perceber o impacto da lei, a ACAPO lançou um questionário junto dos seus associados.

No primeiro ano em que a lei esteve em vigor, 1198 pessoas com deficiência visual beneficiaram dos serviços de acompanhamento na loja por um funcionário e/ou etiquetagem de produtos em Braille, segundo a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).

Em todo o país, há 620 lojas com etiquetagem em braille, num investimento estimado pela APED de um milhão de euros.