por Luís Reis, in Diário de Notícias
Médicos, professores e engenheiros sofrem fortes desvalorizações nos ordenados. Para este grupo, a redução salarial é já uma realidade. Salário médio líquido nacional estagna nos 777 euros
Os trabalhadores por conta de outrem com qualificações mais altas estão entre os mais penalizados pela crise que já afecta os salários na economia portuguesa.
Apesar do Código do Trabalho impedir cortes salariais, a verdade é que, na prática, há cada vez mais empregados a perder poder de compra de forma pronunciada. O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, admitiu recentemente que o corte nos salários públicos é um sinal que os privados devem ter em conta. "É necessário, pelo menos, contenção salarial para reforçar a competitividade." Entre o terceiro trimestre de 2009 e o mesmo período deste ano, o corte entre os mais qualificados - grupo que engloba médicos, engenheiros, professores, por exemplo - já vai em 45 euros limpos por mês.
Os dados oficiais, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostram que, no terceiro trimestre deste ano, a quebra no salário médio líquido das profissões intelectuais e científicas foi a mais alta de sempre, destoando da tendência seguida na maioria dos grupos profissionais (ver gráfico), onde ainda houve margem para melhorias.
Os observadores ouvidos dizem que parte substancial da erosão salarial nas profissões mais qualificadas estará directamente ligada à precariedade dos trabalhadores mais jovens e às restrições orçamentais do sector público, que afectam sobretudo os professores, um dos grupos mais relevantes na administração pública.
Em todo o caso, entre subidas e descidas, o salário médio líquido nacional estagnou face ao trimestre anterior nos 777 euros.
O grupo dos "especialistas das profissões intelectuais e científicas" que trabalham por conta de outrem, em que constam quase 420 mil pessoas, sofreu um corte histórico no salário superior a 3%, forçando uma redução de 45 euros, para 1386 euros, entre o terceiro trimestre de 2009 e o mesmo período deste ano. Desde o agravamento da actual crise (na sequência do colapso do banco norte-americano Lehman Brothers em Setembro de 2008), estes profissionais perderam já cerca de 82 euros por mês. Ao fim de um ano de trabalho, a descida rondará os 1100 euros.
Nas Forças Armadas o corte é ainda maior, mas o alcance é menor já que se trata de apenas 24 mil pessoas.
Fernando Neves de Almeida, sócio da Boyden Executive Search, uma empresa de recrutamento de talentos e altos quadros, considera que essa tendência de desvalorização salarial "terá sobretudo que ver com a função pública e com as medidas de contenção recentes", embora sublinhe que nos cargos de topo "a realidade é diferente". "Aí, a tendência vai no sentido oposto. Temos tido um reforço das remunerações, embora mais moderado que no passado", acrescenta o consultor.
Joaquim Dionísio, responsável pela área de estudos económicos da CGTP, confere que a desvalorização dos salários dos mais qualificados "reflecte a precariedade em que se encontram muitos desses profissionais, sobretudo os mais jovens". "Estamos a falar, por exemplo, de muitos tarefeiros e avençados que exercem cargos de grande responsabilidade e competência. Professores, engenheiros, etc.", exemplifica.
De facto, é entre os mais jovens (pessoas entre os 15 e os 34 anos) que o fenómeno do desemprego mostra maior agressividade - a taxa de desemprego atingiu um máximo histórico, afectando 15,5% da população activa. O volume de desemprego (número de pessoas afectadas) nestas idades disparou mais de 11% no terceiro trimestre face ao mesmo período de 2009. Nos licenciados a tónica é parecida, mostra o INE. A taxa de desemprego está a caminho dos 8%, penalizando sobretudo as mulheres. Ao todo, estão sem trabalho 68,5 mil licenciados, mais 6,5%.
E este quadro tenderá a piorar nos próximos anos com as medidas de austeridade no sector público e no privado.