Raquel Martins, in Jornal Público
Era preciso cumprir vários requisitos, nomeadamente o "bom comportamento moral e profissional"
Portugal foi um dos primeiros países do mundo a instituir o abono de família, antes da Suécia (1947), do Reino Unido (1945) ou da Dinamarca (1952), com sistemas de protecção social mais evoluídos. No decreto de 13 de Agosto de 1942, o Estado Novo criava um complemento ao salário, atribuído aos chefes de família de algumas profissões.
O território nacional tornava-se então o 11.º país do mundo a ter abono de família, embora na génese desta decisão tenham estado razões diferentes das que levaram outros Estados a instituir este tipo de protecção social.
Num estudo recente sobre A política de apoio à família no período do Estado Novo, José Pereirinha, Manuela Arcanjo e Daniel Carolo lembram que, ao contrário do que aconteceu em França ou na Alemanha, o incentivo à natalidade não esteve na génese da criação do abono de família em Portugal. O preâmbulo do Decreto-Lei 32192, de 13 de Agosto, deixava bem claro que o abono era "o meio por excelência para a realização do princípio do salário familiar", podendo ser usado "só acessoriamente como instrumento de política demográfica".
Assim, previa-se que ao salário-base de cada categoria profissional pago directamente pela empresa, acrescesse um complemento salarial ou abono.
Ao criar o regime do abono de família, sublinham os investigadores, o governo da altura pretendia salvaguardar a política de baixos salários e "evitar as consequências de serem as empresas a diferenciarem os salários em função dos encargos familiares dos seus trabalhadores, como fossem, por exemplo, o despedimento e a não contratação de trabalhadores com responsabilidade familiares".
Em 1942, o abono de família era atribuído ao chefe de família - excluindo a mulher trabalhadora, uma situação que só se corrigiu em 1944 - trabalhador do comércio, indústria e outros ao serviço de organismos corporativos. Era preciso cumprir vários requisitos, além da existência de uma remuneração, nomeadamente o "bom comportamento moral e profissional".
Além de incluir os filhos, era alargado também aos ascendentes, uma particularidade que os investigadores atribuem à quase inexistência de protecção na velhice devido aos poucos anos de vigência do sistema de previdência social. O montante era proporcional ao número de dias de trabalho.
Era um sistema apoiado em quotizações sociais pagas pela empresa e pelo trabalhador, tal como actualmente, mas a sua gestão era feita pelas caixas de abono de família, não integrando o sistema de previdência social. Isso só aconteceu em 1962, altura em que foi instituído o subsídio de maternidade, enquanto o subsídio de desemprego só foi criado em 1975, depois do 25 de Abril.