2.11.10

Crise está a fazer disparar recaídas com álcool e droga

por Diana Mendes, in Diário de Notícias
Ex-consumidores correm maiores riscos de recair em fases complicadas


Um homem do Norte e outro do Centro do País têm em comum meses ou anos de abstinência de álcool. Batalhas vencidas há meses e que agora caem por terra perante as dificuldades económicas ou a falta de pagamento pelo trabalho prestado. A conjuntura de crise está a levar mais portugueses a pedirem ajuda nos centros de tratamento de álcool e droga, a maior parte dos quais por recaída. A procura já subiu em 2009, com dez mil novos doentes a serem tratados na rede do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). Um cenário que se agrava este ano porque há mais acesso a tratamento mas também devido à crise económica.

Não há dados sobre as causas dos pedidos de ajuda que suportem a tese. "É algo que se sente empiricamente, sobretudo no álcool", diz o presidente do IDT João Goulão. "Mais do que de casos de pessoas que vêm cá pela primeira vez, estamos a falar de recaídas que se devem ao stress e à pressão. São doentes que estavam bem!", alerta Ana Feijão, directora da Unidade de Alcoologia de Coimbra.

A especialista conta um caso recente que terminou da pior forma possível: "Um doente nosso suicidou-se porque não aguentou a pressão. Tinha um negócio e havia muitas pessoas a dever-lhe dinheiro. Há muitos casos de trabalhadores de oficinas, pequenas empreitadas de construção civil, entre outros, que não recebem e ficam em dificuldades", conta.

Caso semelhante foi relatado por Laura Lessa, da Unidade de Alcoologia do Norte. "Há dois meses suicidou-se um doente que estava abstinente. O problema é o álcool ser uma substância lícita e de acesso fácil. As pessoas sabem que mata rapidamente e recorrem a ela para terem coragem para se matar. É terrível."

Em momentos difíceis como este "é normal sermos mais procurados. Além da falta de dinheiro, houve cortes em medicamentos como os antidepressivos. Cortes que aumentam a procura". Ultimamente, acrescenta, "a procura está sempre a crescer , não só devido à crise mas também na sequência de casos de violência doméstica", afirma Laura Lessa.

João Goulão destaca os indicadores positivos na área do álcool e da droga. "Há diminuição de consumo e experimentação e aumento do acesso a tratamento. Mas temos criadas as condições a nível social que fazem recear o recrudescimento do problema, que é a crise, o desemprego, as condições económicas. Há aumento de recurso a psicofármacos e álcool nestas fases. Pode haver também em relação a substância ilícitas."

Nada que Portugal já não tenha vivido noutras situações de crise. "Em situações de desespero por desemprego, as pessoas têm tentação de se meter em actividades ilícitas relacionadas com o tráfico."

Manuel Cardoso, vice-presidente do IDT, refere que o aumento dos preços e a crise não levam mais pessoas a beber ou a consumir droga. "Mas há pessoas que não tendo dinheiro para bens essenciais não vão deixar de consumir ou vão ter recaídas. Se a vida for estável, elas conseguem manter-se, de outra forma lembram-se mais das drogas e podem recair."

Nuno Murcho, do Centro de Respostas Integradas do Algarve, diz que ainda não se nota a procura. "Penso que se irá notar quando os trabalhadores sazonais se virem confrontados com o desemprego, o que não quer dizer que já não haja doentes a descompensar."

Uma psicóloga de um centro do Norte lembra que há mais procura desde que o álcool começou a ser tratado em mais centros. Mesmo assim, reconhece a subida do consumo nos últimos dois anos. "Chaves ou Vila Real, por exemplo, são problemáticas. Muitas pessoas vão perder o subsídio de reinserção e outros apoios. Havendo problemas de ordem familiar ou profissional há tendência de beber para esquecer e agravar abusos."