Margarida Coutinho, in Expresso
Entre os voluntários que se cruzam pela sede da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, a grande maioria não chega aos 30 anos. Contudo, também há quem já ultrapasse os 70. “Sempre gostei de trabalhar com gente nova, é um desafio muito aliciante”, partilhou Ana Martinho, voluntária de 75 anos
Os voluntários são os alicerces das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), qualquer que seja o país onde decorrem. São eles que ficam responsáveis por vários departamentos essenciais desde a logística - que garante o alojamento ou a alimentação dos milhares de peregrinos inscritos - à comunicação ou aos vários eventos que acompanham a semana das jornadas. Até aqui, já há mais de 20 mil inscritos como voluntários - são necessários pelo menos mais 10 mil para atingir o número ideal apresentado pela organização -, a maior parte deles só chegará na semana antes das jornadas. Até lá, as tarefas ficam concentradas nas pequenas centenas de voluntários, a maioria portugueses, que habitam a sede da JMJ, no Beato. Sendo um evento de “jovens para jovens”, a maior parte dos participantes não têm mais de 30 anos. Contudo, no antigo edifício militar também se encontram pessoas que trocaram a tranquilidade da reforma pela correria da organização de um dos maiores eventos recebidos em Portugal. “Sempre gostei de trabalhar com gente nova, agora vejo-me nesta situação onde todos são mais novos. É um incentivo, é um desafio muito aliciante”, partilhou com o Expresso Ana Martinho, de 75 anos, voluntária na área Caminho 23.
A ex-assessora diplomática de Belém utiliza o seu conhecimento profissional de relações internacionais para ajudar no departamento responsável pelo “percurso dos peregrinos até à jornada”. “Estou a tratar das relações internacionais, das necessidades das viagens, das autorizações”. Além disso, Ana Martinho e a sua equipa mantêm contacto permanente com as “conferências episcopais de todo o mundo” e organizam eventos com as embaixadas em Lisboa. “Há poucos dias, por exemplo, organizámos um evento para as embaixadas em Lisboa que dava a conhecer o programa geral da jornada”. Contudo, a voluntária fez questão de frisar que não tem uma “função definida” e pretende “ajudar onde for preciso”. “O meu compromisso na vida é que tudo o que for preciso fazer, eu faço. Se for preciso arrastar mesas ou cadeiras, eu faço”, garante.
Esta é a primeira jornada de Ana Martinho no papel de voluntária, antes disso apenas tinha “visto de perto” a jornada do Panamá quando ainda trabalhava como assessora diplomática, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa. O convite foi lançado pela própria organização da JMJ, no ano passado e, desde aí, está como voluntária a “full-time”. “Vivo no Estoril e estou a vir aqui todos os dias”. Este esforço é feito em troca de uma “experiência muito positiva” e de um “desígnio espiritual”. “É uma ocasião única, uma aventura bonita com um objetivo muito transcendente e que espero que faça bem ao mundo”, resumiu.
Quem também está pela primeira vez como voluntário na JMJ é Francisco Seabra, de 24 anos. Recebeu o convite para a direção da área Pastoral e Eventos em Setembro do ano passado, altura em que tinha também recebido uma proposta de trabalho de uma consultora. “Percebi que [participar na JMJ] era aquilo que eu queria, que era um desafio que não podia dizer que não”, partilhou o mestre em engenharia eletrotécnica e computadores. Agora, é “braço-direito” na área responsável pelos “eventos, espiritualidade, parte artística, música, festival da Juventude, uma data de coisas”, enumerou. Depois de quase nove meses de trabalho, o jovem não se arrependeu da escolha que tomou. “Sem dúvida que está a superar muito as minhas expectativas em termos de desenvolvimento pessoal. Tem sido uma experiência que me está a encher as medidas”. A nível de experiência profissional, Francisco Seabra realça ainda a “responsabilidade” em si delegada que “dificilmente” teria noutro “primeiro emprego”. Isto ao mesmo tempo que vive um “ambiente brutal” na concretização de um evento de “jovens para jovens”.
Nem só de estreantes é feita a equipa de voluntários da JMJ. Há mais de uma dezena de jovens que já passaram por jornadas em países como Polónia, Panamá ou Brasil. Beatriz Soares, de 29 anos, é uma delas. Depois de ser voluntária na semana da jornada do Rio de Janeiro, em 2013, a jovem brasileira é agora voluntária de longa-duração em Lisboa, onde está a viver desde o final de 2021. “A diferença principal é que agora pude acompanhar o projeto desde o início e ver as coisas crescerem”, explica a jovem membro da Comunidade Católica Shalom. Destacada para a área da Comunicação - um dos departamentos mais numerosos -, Beatriz Soares está responsável por “angariar voluntários” de todo o mundo e alocá-los a uma área consoante o seu “perfil”. “Hoje conheço o nome e o país de todos os que chegaram”. Pela primeira vez em Portugal, outro dos sonhos da voluntária “desde criança” era visitar Fátima. Graças às ações de comunicação da JMJ, este já foi concretizado “quatro ou cinco vezes”. “Sempre que tenho oportunidade [de ir ao Santuário de Fátima], voluntario-me para ir. É um lugar fantástico”.
A menos de dois meses das jornadas, o ritmo nas instalações do Beato começa a aumentar. “Às vezes vemos alguém a correr no corredor porque é preciso correr”, revela Beatriz Soares. Os restantes voluntários concordam com este aumento de “intensidade”. “Estamos a entrar na fase de maior stress, mas também na fase mais gira em que começamos a ver as ideias serem materializadas”, disse Francisco Seabra. Exemplo disso são os “ensaios de coro e da orquestra” que já estão a decorrer ou a chegada dos primeiros membros do Ensemble23, o “elenco oficial dos eventos” formado por “jovens artistas” voluntários de várias partes do mundo. “Normalmente este grupo é feito por pessoas do país ou companhias de teatro contratadas. Nós quisemos dar oportunidade a jovens de todo o mundo, que estudam teatro ou música, de ganharem uma experiência profissional na sua área atuando para milhares de pessoas”, explicou o voluntário da área Pastoral e Eventos. Para já, chegou apenas uma das artistas que veio da Rússia e demorou “cinco dias só para poder chegar cá”. No dia 12 de junho, juntam-se os restantes elementos para “seis semanas” de “ensaios intensivos”.
“SABEMOS QUE TODAS AS DECISÕES SÃO MUITO PONDERADAS”
Numas jornadas rodeadas de polémicas – desde os valores milionários associados às infraestruturas como o altar-palco aos abusos sexuais de menores na Igreja Católica divulgados pelo relatório da Comissão Independente – os voluntários voltam a defender que nada afeta o “estado de espírito” na Rua do Grilo. “Estamos por dentro das decisões, sabemos realmente como as coisas estão a andar, que todas as decisões são muito ponderadas e que são feitas da melhor forma possível. Às vezes há erros, como em tudo. Mas o nosso objetivo é também sensibilizar as pessoas para a dimensão deste evento, para o bem que faz a Portugal e às pessoas, crentes e não crentes”, defende Francisco Seabra.
Apesar de reconhecer que estas polémicas geram perguntas de “amigos” e “familiares” que estão “por fora” do evento, Francisco prefere focar-se no futuro e no resultado da semana de 1 a 6 de agosto. “Há noites em que dormimos pior porque as pessoas não percebem. Mas estamos a falar do maior evento que Portugal já acolheu, um dos maiores eventos do mundo. No final, vamos perceber que foi das melhores coisas que aconteceu em Portugal e as coisas menos boas vão ser uma gotinha de água num oceano”. Também Ana Martinho acredita que o “mais importante” e o que irá prevalecer será a “mensagem de paz” que a JMJ traz numa “altura tão conturbada como a que vivemos”.