Cátia Mateus, in Expresso
Empresas privadas começam esta segunda-feira a testar a semana de trabalho mais curta. Projeto-pioloto promovido pelo Governo decorre até novembro e quer avaliar impacto da reorganização dos tempos de trabalho nos profissionais e empresa
Trinta e nove empresas e um total de mil trabalhadores vão testar a partir desta segunda-feira uma semana de trabalho mais curta, de apenas quatro dias.
Portugal junta-se assim ao grupo de países europeus que têm vindo a testar o modelo que é elogiado pelo seu impacto na produtividade dos trabalhadores e, consequentemente, das empresas. Experiência restringe-se, por agora, apenas ao sector privado. Explicamos-lhe como tudo vai funcionar.
EM QUE CONSISTE A SEMANA DE QUATRO DIAS?
Trata-se, no essencial, de uma nova forma de organização do tempo de trabalho. O modelo da semana de quatro dias pressupõe, como o nome indica, trabalhar menos um dia por semana, ou seja, quatro dias e não cinco, reforçando o período de descanso dos trabalhadores.
MAS O HORÁRIO AUMENTA NOS RESTANTES DIAS?
Não. Há vários modelos de reorganização do tempo de trabalho. Alguns possibilitam a distribuição das horas não trabalhadas no “quinto dia da semana”, pelos restantes dias. Neste caso específico, o projeto-piloto desenhado pelo Governo português impõe como condião que as 40 horas de trabalho semanais não sejam concentradas nos restantes dias da semana. Ou seja, tem de existir uma efetiva dimuição das horas trabalhadas, já que o princípio que norteia a experiência é a redução efetiva do horário semanal de trabalho, grantindo aos trabalhadores um dia de descanso acrescido.
RECEBO MENOS, ENTÃO…
Também não. As empresas que participem neste projeto não poderão diminuir o salário dos trabalhadores abrangidos.
O QUE SE QUER TESTAR COM ESTE PROJETO-PILOTO?
Essencialmente o impacto na produtividade e na economia decorrente de reforçar o tempo de descanso dos trabalhadores. Vários países têm vindo a testar modelos de redução dos tempos de trabalho e, em grande parte deles, são destacadas vantagens no que respeita ao impacto nos resultados da empresa, na produtividade, na motivação, na conciliação familiar, na saúde mental e física dos profissionais e também na economia.
Resultados interessantes foram, por exemplo, alcançados no reforço da qualificação dos profissionais que, com mais tempo disponível, passaram a apostar mais em formações de curta duração. Ou até num contributo para a dinamização de sectores de atividade como o Turismo, já que os profissionais, com mais tempo disponível e com o mesmo rendimento salarial, passaram a viajar mais.
QUANTAS EMPRESAS VÃO PARTICIPAR NESTA EXPERIÊNCIA?
A perspetiva inicial do Governo era iniciar o projeto-piloto com 46 empresas e perto de 20 mil trabalhadores. Contudo, os dados fornecidos ao Expresso pelo Ministério do Trabalho dão conta que apenas 39 empresas vão avançar nesta fase, o que diminuiu drasticamente o número de profissionais abrangidos, dos 20 mil previstos para apenas mil.
TODAS ESTAS EMPRESAS INICIAM ESTA SEMANA A IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO?
Não. Parte das 39 empresas que avançam para a 3ª fase do projeto-piloto iniciam esta segunda-feira a experiência. Mas algumas já iniciaram a experiência e outras poderão vir a iniciar mais tarde. Segundo o Governo, “das 39 empresas, 12 são associadas do projeto e iniciaram a semana de 4 dias no final de 2022, ou início de 2023”. Estas empresas vão agora usufruir do apoio da equipa de coordenação nas novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho.
Além destas, garante o Governo, há outras empresas que não avançaram já, mas poderão avançar mais tarde: “a maioria mantém o interesse em implementar a semana de 4 dias, mas preferiu adiar para durante o segundo semestre de 2023 ou início de 2024”.
VAMOS TODOS TER A SEXTA-FEIRA LIVRE?
Não. A semana de trabalho só tem de ser mais curta, não é obrigatório que o dia adicional de descanso seja a sexta-feira. Essa decisão cabe à empresa, em função dos seus fluxos de trabalho e necessidades específicas de cada departamento. A empresa até pode, optar por um modelo de folga rotativa, em casos em que o tipo do trabalho ou negócio não permita o horário de funcionamento para as 32 horas semanais.
TODOS OS TRABALHADORES DA EMPRESA SERÃO ABRANGIDOS PELA REDUÇÃO DE HORÁRIO?
Nesta fase de teste, não necessariamente. A empresa pode optar por conduzir a experiência apenas num departamento específico ou num grupo restrito de profissionais para avaliar o seu impacto.
COMO É QUE SERÁ FEITA A AVALIAÇÃO DE IMPACTO DESTA EXPERIÊNCIA?
A fase de implementação que se inicia esta segunda-feira vai decorrer até ao final de novembro. A avaliação de impacto será feita ao longo de todo o processo, através da realização de inquéritos regulares aos trabalhadores e empregadores. Nos primeiros, o objetivo será avaliar o impacto da redução do horário semanal de trabalho na sua qualidade de vida, bem-estar e saúde (física e mental). Mas serão também avaliados aspetos como a motivação, compromisso com a organização, disponibilidade para mudar de emprego, felicidade, ou até redução de custos que a mudança pode ter gerado (com transportes, com serviços de apoio doméstico, etc…
Já nas empresas, o foco do projeto será medir o impacto na produtividade, nos custos (eletricidade, consumíveis, matérias primas) e lucros. Serão também avaliados os níveis de absentismo, a atratividade da empresa enquanto recrutador, o desempenho, acidentes de trabalho, entre outros.
A FUNÇÃO PÚBLICA NÃO VAI TESTAR A SEMANA DE QUATRO DIAS?
Poderá vir a fazê-lo, mas não nesta fase. A decisão está nas mãos do Ministério da Presidência, que deverá realizar estudos prévios antes de avançar com uma experiência-piloto em moldes similares a resta. Recorde-se, contudo, que semana trabalho mais curta já foi testada no Estado. Em 1999, para renovar a estrutura etária dos trabalhadores da Administração Pública e promover o emprego público, António Guterres criou um mecanismo que possibilitava aos trabalhadores do Estado com carreira definitiva trabalhar menos um dia por semana, com uma redução de 20% na remuneração. A medida vigorou durante 15 anos e foi um dos primeiros projetos-piloto conduzidos entre trabalhadores do Estado, na Europa, mas o seu impacto não é conhecido.