5.6.23

Quão envelhecida é a população portuguesa?

Ana Baptista, in Expresso


O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes, da economia à sociedade. Neste mês de junho, abordaremos a adequação da população ao envelhecimento

Os factos

Segundo dados das Nações Unidas, Portugal tem um pouco mais de dois milhões de pessoas com mais de 65 anos, sendo o 43º país com o maior número de idosos num total de 50 países do mundo analisados.

Mas olhando para a proporção de pessoas com mais de 65 anos sobre o total da população, Portugal surge como o quarto país, apenas superado pelo Japão, Itália e Finlândia.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2021, as pessoas com 65 e mais anos representavam 23,4% da população residente em Portugal (inclui pessoas de naturalidade portuguesa, mas também estrangeiros que se tenham instalado no País).

Em 1970, apenas 9,7% da população residente em Portugal tinha 65 ou mais anos.

Este cenário não se vai inverter, vai até agravar-se. As projecções do INE apontam que a fatia da população que tem 65 e mais anos seja de 36,8% em 2080.

Como chegámos até aqui

Foi uma conjugação de três factores, um considerado bom e outros dois menos bons.

O bom foi o aumento da esperança de vida, fruto dos avanços da medicina, mas também da evolução da sociedade e do mercado de trabalho que, com o aparecimento de outros tipos de empregos, mais bem pagos e menos exigentes fisicamente, melhoraram de forma geral as condições de vida da população.

“Em 1940, uma pessoa com 20 anos tinha mais 46,6 anos de vida pela frente. Em 2015, já tinha mais 61,6 anos de vida pela frente”, repara Alda Azevedo, doutorada em demografia e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS). Em 2020, segundo dados da Pordata e do INE, a esperança de vida à nascença para ambos os sexos situava-se nos 80,7 anos.

Quanto aos dois factores menos bons, um deles foi a descida na natalidade. Por exemplo, segundo dados do INE de 2022, em 1970 existiam 34 pessoas com 65 ou mais anos por cada 100 jovens com menos de 15 anos. Em 2021, essa proporção já tinha aumentado para 182 pessoas idosas por cada 100 jovens com menos de 15 anos. Há várias causas para este cenário, mas a economia tem um peso significativo. “Mais de metade da população portuguesa vive com cerca de €900 por mês”, repara Pedro Góis, sociólogo e professor na Universidade de Coimbra, o que faz com que os jovens saiam mais tarde de casa e adiem o nascimento do primeiro filho, diz Alda Azevedo, lembrando que Portugal tem uma das maiores percentagens da Europa de jovens entre os 18 e os 34 anos a viver em casa dos pais.

O terceiro factor foi a emigração. Os jovens têm mais escolaridade, mas depois não são remunerados de acordo com essas qualificações, o que faz com que procurem melhores oportunidades fora de Portugal, principalmente na Europa, onde existe uma fácil mobilidade entre países, repara Pedro Góis. Ora, quem sai são precisamente os jovens adultos em idade reprodutiva, o que significa que perdemos jovens que depois contribuiriam para a natalidade e para o aumento da população jovem em Portugal, acrescenta Alda Azevedo.

Para onde caminhamos

Caminhamos para uma população mais envelhecida, mas não porque a natalidade vá diminuir e a emigração vá aumentar. Aliás, “as projecções em relação à fecundidade são optimistas”, repara Alda Azevedo. De facto, segundo dados de maio do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em 2022 registaram-se 83.436 nascimentos, mais 5,3% que em em 2021 (79.217), ano em que tinha havido uma quebra histórica da natalidade. Já no primeiro trimestre de 2023 registaram-se 21.065 bebés, o valor mais elevado para o trimestre desde o início da pandemia de covid-19.

Ou seja, caminhamos para uma população mais envelhecida porque continuarão a haver avanços na medicina que permitem que isso aconteça mas, sem políticas adequadas, esses anos de vida ganhos podem não ter a qualidade desejada.



“O discurso político tem sido o de combater o envelhecimento, mas a tendência não vai inverter-se. Devíamos antes pensar como nos adequar ao envelhecimento”, diz Alda Azevedo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS).

Para a doutorada em Demografia, uma das primeiras coisas a fazer é “repensar a idade de entrada na velhice. Temos andando a medir a velhice nos 65 e mais anos mas, atualmente, uma pessoa com 65 e mais anos tem uma vida ativa e não inspira tantos cuidados. Só a partir dos 75 anos é que as pessoas precisam de mais cuidados”.

Prova disso é o aumento da idade legal da reforma que, desde 2007, tem vindo a aumentar de um a dois meses, praticamente, de dois em dois anos. Por exemplo, em 2007, estava nos 65 anos e em 2022 já tinha chegado aos 66 anos e sete meses. Isto significa que deveria aumentar de novo em 2024 ou 2025 mas, por causa do aumento da mortalidade provocado pela pandemia, o Governo decidiu baixar a idade da reforma em 2023 e 2024 para os 66 anos e 4 meses o que significa que, a retomar-se o ritmo anterior, a partir de 2027 haverá um novo aumento para perto dos 67 anos.

O problema, repara Alda Azevedo, é que mesmo não precisando de tantos cuidados, esta fatia da população entre os 65 e os 75 anos precisa de uma medicina preventiva e, “infelizmente, a aposta tem sido mais na medicina curativa. Há um caminho muito grande a fazer nesse aspecto. Há medidas simples que se podiam tomar, como haver mais informação, por exemplo, para prevenir quedas em casa - que é um dos acontecimentos que mais leva à incapacidade - ou fazer mais operações às cataratas, para que as pessoas não percam a visão mais cedo”.

Esta medicina preventiva iria também contribuir para que a fatia da população com 75 e mais anos - que tem vindo a crescer - também tivesse uma maior qualidade de vida. Neste momento, são eles que precisam de mais cuidados, porque têm mais problemas de saúde, mas o Governo não tem tomado políticas nesse sentido. “Não vejo nenhum plano estatal para formar os cuidadores que as pessoas dessas idades precisam e não acho que o País esteja preparado para tratar das doenças neurodegenerativas que atingem mais essa fatia da população”, repara Pedro Góis.

E não é o facto de os descendentes poderem, agora, ter um estatuto legal de cuidador, que vai resolver o problema, repara Alda Azevedo. Porque, apesar de positivo, pode esbarrar no funcionamento das relações entre trabalhador e empregador. O que é preciso é não tomar medidas dissociadas umas das outras, mas sim fazer alterações estruturais e definir uma política continuada que se prolongue por várias legislaturas, conclui.