Inês Cardoso, in Jornal de Notícias
Um passo para eliminar obstáculos do país que sempre considerou seu
Que a nova Lei da Nacionalidade despertou interesse, não restam dúvidas. Em dois meses e meio, só o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI) de Lisboa atendeu nove mil pessoas interessadas em adquirir a nacionalidade portuguesa. Destas, duas mil reuniam todos os requisitos legais e os processos passaram para a Conservatória dos Registos Centrais.
A verdadeira dimensão do impacto das novas regras, contudo, só poderá ser avaliada no final do ano. "Creio que ainda é muito cedo para fazer balanços", considera Rui Marques, alto comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), numa altura em que se completam 100 dias sobre a entrada em vigor da legislação.
Há, desde já, indicadores de que o número de títulos concedidos por naturalização deverá disparar. Basta dizer que, em média, tem havido anualmente 1500 atribuições da nacionalidade, número excedido pelos processos instruídos só na extensão da Conservatória aberta no CNAI de Lisboa. Apesar do pedido feito pelo JN, não foi fornecido pelo Ministério da Justiça o número total de processos instruídos desde 15 de Dezembro.
Por seu turno, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - que com a nova lei deixou de ter competência para aceitar e instruir processos - afirma estar a terminar os processos que tinha pendentes. São "mais de sete mil, o que corresponde a mais processos que nos 3/4 anos anteriores [a 2006] juntos".
Rui Marques salienta que tem sido feito um "enorme esforço" de informação. "Há 25 formadores e o Gabinete de Apoio à Nacionalidade do CNAI empenhados na realização de sessões de divulgação", explica. Considera que o comboio está ainda a arrancar. "Não atingiu, nem por sombras, a velocidade cruzeiro".
Uma das dúvidas é se os serviços conseguirão responder ao grande volume de pedidos. A par da abertura da nacionalidade a várias situações anteriormente excluídas, o regulamento de atribuição prevê procedimentos de simplificação. É o caso da dispensa de certidões de actos civis e de outros documentos, assim como a "desconcentração de competências" nos ajudantes e escriturários, para "uma capacidade de resposta acrescida".
Ainda assim, a abertura de extensões da Conservatória, prevista no decreto-lei nº 237-A, saldou-se em apenas uma (a do CNAI de Lisboa). Da mesma forma que ainda não foi, até ao momento, assinado qualquer protocolo para que associações de imigrantes possam apoiar a instrução dos pedidos. O Ministério da Justiça esclarece que foi "formulado o convite" a todas as associações e que "as propostas entretanto apresentadas estão a ser analisadas".
Riscar país de origem na esperança de circular pela Europa comunitária"Europa é Europa". Talvez para apaziguar angústias ou dúvidas, Roman Motornyy sintetiza em poucas palavras a convicção de que apagar a nacionalidade ucraniana, reescrevendo sobre ela a portuguesa, será o gesto capaz de lhe abrir mais portas no futuro. Para trás já ficaram os tempos em que Portugal lhe parecia um sacrifício. Chegou há sete anos, com apenas 20. A língua foi o primeiro obstáculo, mas atirou-se ao estudo com energia. "Esforcei-me muito, estudava todas as tardes", recorda. A dedicação foi recompensada no mês passado, quando concluiu com êxito, em Setúbal, a prova de língua portuguesa necessária para requerer a nacionalidade. O certificado já se juntou aos outros documentos necessários. Só falta mesmo chegar o mês de Abril, altura em que completa o tempo mínimo de residência legal no país exigido para a instrução do processo - seis anos.
As novidades da lei, como a equiparação de tempo para todas as nacionalidades e a eliminação de diferenças entre os títulos, fizeram toda a diferença para poder avançar com o pedido. Longe de ver o futuro cor-de-rosa, Roman sabe que esta Europa comunitária tem problemas universais, como o desemprego. Foi despedido há dois meses e equaciona a hipótese de ir trabalhar para Espanha. Em qualquer caso, no Verão as férias serão passadas na Ucrânia. E serão férias especiais "Vou casar", confessa. Olga, com quem namora desde os 16 anos, nunca pôs os pés em Portugal. "Ela está com um bocadinho de medo, mas sei que vai gostar. O clima é bom". Para começar, Roman já lhe enviou um dicionário. "Vamos ver se ela começa a estudar. Eu ajudo-a".
Dividida entre duas casas. Assim se sente Graciete Borges, 21 anos inteirinhos vividos em Portugal. Pisou o país que é seu por herança uma única vez, para participar num torneio de andebol. "Identifiquei-me logo com a ilha de Santiago, de onde eram os meus pais. Talvez porque moro num bairro social de cabo-verdianos, com gente que trouxe a cultura, hábitos alimentares...
"Não é fácil sentir-se estrangeira no país onde nasceu. Jogadora de andebol, chegou a ser chamada pela selecção, para participar em treinos de captação. "Quando começavam a fazer perguntas, viam que não podia ficar. Acabou por prejudicar a carreira", lamenta. O mesmo sente na pele de caloira universitária. Está a tirar o curso de animação sócio-cultural, na Escola Superior de Educação de Lisboa, mas é obrigada a trabalhar para suportar as despesas. "Como não tenho a nacionalidade, não posso candidatar-me a uma bolsa. São obstáculos reais".
Obstáculos que a nova lei eliminou, abrindo portas a filhos de estrangeiros nascidos no país. A treinadora da sua equipa de andebol, do Centro Social de Solidariedade Assomada, incentivou a preparação de documentos. Há pouco mais de uma semana, 19 processos de jogadoras deram entrada no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante de Lisboa. Agora resta esperar, "no máximo deverão ser 90 dias". Graciete sente-se meio portuguesa desde que nasceu. Só falta ser reconhecida como tal.