21.3.07

Famílias do Bacelo ameaçam resistir às demolições das barracas

Natália Faria, in Jornal Público

Rui Rio garante que não vai recuar nas demoliçõesanunciadas pela Câmara

"O que é que a gente há-de fazer aos miúdos? Botá-los ao rio?" Sentada à entrada de uma barraca da Rua do Bacelo, na zona oriental do Porto, a mulher largava a pergunta a que ninguém ousava responder. O ambiente instalado entre as 16 famílias de etnia cigana que há quase duas décadas habitam naquele aglomerado clandestino era de muita apreensão. O prazo dado pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, para abandonarem o local entrou em contagem decrescente e, ontem de manhã, os habitantes prometiam resistir ao despejo coercivo, por discordarem do realojamento provisório em pensões proposto pela autarquia.

"Em pensões ninguém nos aceita e, se a ideia for pôr-nos com um cobertor debaixo da ponte, incendiamos uns pneus e cortamos a estrada", ameaçava Carlos Matias, de 45 anos, que habita uma barraca com três familiares. Um inválido, outro com um pé gangrenado. Todos a viverem do rendimento social de inserção, todos a partilharem os bancos de uma carrinha velha empenada no interior da barraca. "Sabe o que é a ratice a ferrar-nos as orelhas? Aqui é assim, mas, se nos querem tirar daqui, têm que nos dar uma casa."

No exterior, os miúdos desafiavam o pó em correrias indiferentes à apreensão dos mais velhos. Encostado a um canto, cigarro num vaivém entre os dedos e a boca, Manuel Machado preocupava-se com o futuro dos cinco filhos. "Andam todos na escola aqui. Para burro já basto eu, que não sei ler e escrever", explica. "Se dizem que nos vão arranjar casa, não podem esperar mais uns meses antes de mandarem isto abaixo?", questiona.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, responde que não. De manhã, em declarações à TSF, o autarca garantiu que não vai recuar na decisão de demolir as barracas. "Alguns deles são nómadas, portanto podem ir para outro sítio. Aqueles que não forem, serão alojados em pensões. E, num prazo máximo de 60 dias, aqueles que tiverem direito a isso - e serão seguramente a maioria - terão uma habitação municipal".

"Esta ideia de pôr as pessoas em pensões é uma forma de as enganar", reagiu José Miguel Silva, da Assembleia de Freguesia de Campanhã, recordando histórias de desalojados que se arrastam em pensões há mais de três anos.

Uma delegação da Plataforma 65 foi ontem de manhã à autarquia para pedir o adiamento do prazo de demolição das barracas. Da coligação PSD/CDS, ninguém os recebeu. "Fomos recebidos por uma vereadora do PS. Já a vereadora da Habitação mandou comunicar que as declarações públicas de Rui Rio eram claras", relatou Sílvia Almeida, membro daquela plataforma que agrega várias associações defensoras do direito à habitação, consagrado no artigo 65.º da Constituição. A plataforma preparava-se para organizar, ao início da noite, uma "festa de solidariedade" no acampamento. "Para alertar a opinião pública e para que as famílias não se sintam tão sozinhas", justificou Sílvia Almeida.