Clara Barata, in Jornal Público
Estudo britânico diz que é preciso reavaliar o sistema de classificação das drogas legais e ilícitas, por ser desadequado
A fumar cannabis ou tomar comprimidos de ecstasy é consumir drogas ilegais. Mas fumar um cigarro e beber uns copos são comportamentos legais e socialmente tolerados. E se lhe disserem que o tabaco e o álcool são drogas mais perigosas que a cannabis e o ecstasy, e que mereciam mais serem proibidas?
Essa é a conclusão de um estudo publicado na revista médica britânica the lancet. O principal autor, david nutt, é especialista em fármacos com efeitos psíquicos e membro do conselho consultivo sobre o abuso das drogas, que aconselha o governo britânico na política da droga. "Todas as drogas são perigosas, mesmo as usadas por toda a gente, como o álcool", disse ao jornal the guardian. Da equipa faz também parte colin blakemore, director do conselho de investigação médica, que financia as ciências biomédicas no reino unido. "Nunca as drogas foram tão disponíveis, baratas e potentes. e nunca foram tão usadas. As políticas para reduzir o consumo não funcionam. Quisemos abordar desapaixonadamente um assunto que incendeia paixões", explicou ao guardian.
Estes cuidados na introdução são necessários porque a conclusão é polémica. "A equipa reconhece que o sistema que desenvolveu está longe de ser aplicável", comenta teresa summavielle, do instituto de biologia molecular e celular da universidade do porto e especialista em ecstasy. Porque é tão dura? "Não tenho dúvidas de que as drogas estão mal classificadas: o álcool e o tabaco só são lícitos por motivos económicos. mas a equipa não ponderou devidamente os factores", afirma. Diferenças a considerarpor exemplo, o tabaco causa muita dependência - fica em segundo lugar, a seguir à heroína, e está na origem de 40 por cento das doenças com internamento. "Mas não danifica o cérebro - embora afecte gravemente o sistema respiratório do fumador e de quem está ao seu lado. E não aumenta o crime, embora imponha grandes custos ao sistema de saúde", exemplifica summavielle.
Há que considerar essas diferenças, diz.a equipa de david nutt recolheu literatura científica sobre 20 drogas, umas legais, outras ilegais. Criou três categorias de problemas - danos físicos, dependência e danos sociais. De seguida, pediu a 29 psiquiatras especialistas em dependências que as distribuíssem pelas categorias. Solicitaram o mesmo a 16 especialistas de várias áreas (da química às leis). as avaliações dos peritos coincidiram com a da equipa - mas não com a classificação oficial das drogas, que é objecto de legislação em cada país, mas transpondo princípios estabelecidos no quadro internacional.
O álcool e o tabaco, que são uma importante fonte de receita para os estados, ficaram no top 10 das drogas mais perigosas. "não encontrámos uma distinção clara entre drogas socialmente aceites e substâncias ilícitas. E é de ter em conta o facto das duas drogas legais mais usadas estarem na parte cimeira da lista", escreve a equipa.