24.3.07

O que mudou na vida das escolas um ano depois de Bolonha

Bárbara Wong, in Jornal Público

Professores e alunos dizem ainda não se ter habituado. Falta investimento do Estado, queixam-se universidades e politécnicos


Sebastião Feyo de Azevedo considera que o primeiro ano de aplicação do Processo de Bolonha pode ser o mais difícil O Processo de Bolonha prevê a harmonização do ensino superior em mais de quatro dezenas de países europeus. Para isso, cada Estado está a adequar o seu ensino aos novos graus e ao paradigma de uma educação mais centrada no aluno. O objectivo é construir um ensino superior de qualidade e concorrencial. Até 2010, todos os países têm de estar a funcionar à luz de Bolonha.

Em Portugal, há um ano foi publicada a lei que altera os graus. Em vez de licenciaturas de quatro e cinco anos, os estudantes vão fazer formações de três e quatro anos. Quem quiser prosseguir os estudos - para completar a formação ou porque o mercado de trabalho o exige - poderá concluir um mestrado de ano e meio a dois anos. O doutoramento é o último grau. Bolonha permite maior flexibilidade - por exemplo, escolher uma cadeira que não parece ter uma relação directa com o que se está a fazer; e mobilidade, ou seja, terminar o curso noutra escola ou noutro país. A 31 de Março de 2006, 1470 cursos tinham sido aprovados. A 15 de Novembro houve pedidos para criar, alterar ou adequar mais 2200.

Na Faculdade de Economia da Nova de Lisboa já ninguém pensa como eram os cursos antes de Bolonha. Na Universidade da Beira Interior (UBI), os estudantes ainda têm muitas dúvidas. Mais a sul, há algum optimismo - afinal, os alunos da Universidade do Algarve têm uma palavra a dizer sobre as mudanças nos seus cursos. Um ano depois da publicação do Decreto-Lei n.º 74/2006, que define os novos graus para o ensino superior à luz de Bolonha, o que mudou na vida dos estudantes e dos professores?

Bolonha exige uma mudança de paradigma na forma de ensinar e aprender com o objectivo de tornar os alunos independentes e autónomos. Só que os estudantes chegam ao ensino superior a reproduzir os manuais, observa Maria de Lurdes Correia Fernandes, vice-reitora da Universidade do Porto. "Eles não estão habituados", queixa-se.

Não estão e podem classificar a mudança como "brusca", como o faz João Silveirinha, da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL). "Os professores querem que os alunos vão para a biblioteca estudar, mas estes precisam de ter uma orientação, mesmo que seja subtil", defende.

Na UBI os estudantes continuam à espera de conhecer os critérios por que estão a ser avaliados, denuncia Rui Pedro Dias, da associação académica. No Algarve, a associação académica está a fazer reuniões gerais de alunos para esclarecer os colegas, informa Matthias Detree, dirigente dos estudantes.

Numa escola, o primeiro ano de aplicação do processo pode ser o mais difícil, é "praticamente" preciso fazer um plano de estudos diferente para cada aluno, explica Sebastião Feyo de Andrade, vice-presidente da Ordem dos Engenheiros e delegado nacional do Processo de Bolonha, nomeado por Mariano Gago. Em muitas instituições optou-se por abrir o primeiro ano da licenciatura adequado a Bolonha e oferecer aos alunos dos anos seguintes um ano de transição, para que terminem os cursos já no novo processo.

No caso dos estudantes que estão actualmente no 4.º ou 5.º ano da antiga licenciatura, Bolonha oferece-lhes a oportunidade de obter o grau de mestre. "É natural que os alunos prefiram fazer o curso à luz de Bolonha. O mercado de trabalho reconhece que as antigas licenciaturas são equivalentes a ter o 2.º ciclo", afirma Feyo de Azevedo.

Politécnicos à espera

O problema são os jovens que entraram com a expectativa de fazer cinco anos e terminam a licenciatura em três; sobretudo os que terão de mudar de instituição para concluir os dois anos que faltam, refere João Silveirinha, do ISEL. É que muitos politécnicos continuam à espera que o ministério autorize os mestrados. "Uma situação inaceitável", classifica Luciano de Almeida, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), acrescentando que estas escolas são "a parte mais frágil do sistema".

Outra preocupação dos alunos é com as ordens profissionais. O que é que estas vão reconhecer: as antigas ou as novas licenciaturas?

Para responder, as associações profissionais têm de rever os seus estatutos, um processo que depende da Assembleia da República. Antes disso, só aceitam quem terminou os cursos antes de Bolonha, dizem.

E se for preciso fazer o mestrado, para que o curso seja reconhecido?

É que o Ministério da Ciência e do Ensino Superior só prevê que as propinas sejam iguais às do 1.º ciclo no caso dos mestrados integrados ou dos que são necessários para exercer uma profissão. Nesse caso, responde a vice-reitora da Universidade de Coimbra, Cristina Robalo Cordeiro, a instituição mantém propinas iguais. Mas não será assim em todas as escolas.

A indefinição tem gerado "fortes angústias aos alunos, que entraram num processo sobre o qual não conhecem bem as regras do jogo", lamenta Luciano de Almeida.

E os professores?

Também têm receios, dizem Cunha Serra, da Federação Nacional dos Professores, e Paulo Peixoto, do Sindicato Nacional do Ensino Superior. Têm receio de não estar preparados para abraçar as novas metodologias, receio de ser dispensados por quem fizer uma leitura errada do que é o trabalho individual dos alunos. "Os docentes do politécnico são os que estão mais apreensivos", avança Paulo Peixoto. "Os cortes orçamentais estão a empurrar as escolas a reduzir o pessoal", acrescenta Cunha Serra."A percepção é que, por parte do Estado, houve uma desvalorização política do processo. O ano de arranque de Bolonha coincidiu com o de desinvestimento no ensino superior", analisa Seabra Santos, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

A tutela deveria ter aproveitado Bolonha para ordenar a oferta educativa, defendem Seabra Santos e Luciano de Almeida, que fazem um "balanço negativo". Sebastião Feyo de Andrade está preocupado com a qualidade da formação, que "vai levar tempo a analisar e a corrigir".