21.3.07

Portadores de doença muito rara enfrentam a intolerância social

Helena Norte, in Jornal de Notícias

Sara Dinora sonha casar e ter filhos. Gostava de que a tratassem como uma "pessoa normal". Sem desprezo e sem paternalismos. Mas ela sabe, melhor do que ninguém, que a diferença é malvista na nossa sociedade. Foi o primeiro caso de síndrome de Williams diagnosticado no Instituto de Genética Médica e, desde então, foi um longo caminho até conseguir a autonomia relativa que, actualmente, consegue ter.

Era uma bebé linda, mas cedo surgiram as complicações. Não dormia. Comia mal. Não crescia como as outras crianças. Com ano e meio, Sara Dinora tinha um atraso de desenvolvimento de sete meses. Os pais perderam a conta aos médicos que consultaram, mas lembram-se bem de alguns marcos. Quando a levaram ao Instituto de Genética Médica, no Porto, e nada lhe foi detectado - na altura, pensou-se que seria trissomia 21, o que não se confirmou. Ou o diagnóstico certeiro, aos seis anos, do cardiologista pediátrico que olhou para ela e percebeu o que até então todos tentavam adivinhar. Sara sofre de uma doença raríssima, de origem genética, que se caracteriza por diversos sinais muito peculiares.

"A minha mulher sempre questionou 'Porquê nós?', mas eu aceitei , desde o início, e nunca escondi a doença da minha filha. Só lamento que a nossa sociedade apregoe que somos "todos diferentes, todos iguais" e trate tão mal quem é diferente", desabafa Albino Cruz.

Mas nem todas as famílias lidam com a lotaria do destino da mesma forma. Mariana, mãe do Ricardo de nove anos e portador da síndrome de Williams, só partilha a condição do filho com a família mais próxima. "Não quero que lhe ponham um rótulo e o tratem como um coitadinho", explica. Diagnosticado precocemente, Ricardo sempre teve apoio especializado e, acima de tudo, uma forte estimulação dos pais para colmatar o défice de atenção e a maior lentidão com que executa as tarefas escolares.

Dolores Cruz, mãe de Sara, conta que sempre exigiu da filha como de outra criança qualquer. "Ficávamos juntas a estudar, todas as noites, e ela concluiu o 9.º ano", recorda.

"Só quando percebi que era tão difícil integrá-la na sociedade é que me consciencializei verdadeiramente do problema da Sara. Corri tudo, desde câmaras a instituições e empresas, e todas as portas se fecharam até encontrar o Centro Social de Soutelo (Gondomar), que a empregou", conta a mãe.

Sara sabe que sofre de Williams. Ricardo ainda não tem consciência da sua diferença, embora já se interrogue do porquê das suas distracções. "No ano passado, pediu ao Pai Natal para lhe dar mais atenção nas aulas. Ele sabe que tem de trabalhar muito para acompanhar as aulas", explica Mariana.

Se ainda existe uma ignorância generalizada sobre esta patologia raríssima, há 30 anos, até os médicos pouco sabiam sobre esta síndrome e não havia testes genéticos que o comprovassem. Sara só teve a confirmação genética de que se trata de Williams há dez anos.

"Sinto que as pessoas não sabem como lidar comigo. Ou são agressivas ou tratam-me como se fosse uma coitadinha. Não é só desconhecimento. Às vezes, é maldade", lamenta. Tem poucos amigos, não por sua vontade, mas porque os outros não conseguem arranjar espaço nas suas vidas para encaixá-la.

Quando não está a trabalhar no centro de apoio a idosos e crianças, Sara alimenta o sonho de casar e realizar a sua vocação de ser mãe. Um sonho que é uma preocupação para os pais, que receiam pelo seu futuro.