Marcos Cruz*, in Diário de Notícias
Uma navalha. Desde o início do ano lectivo, foi a única arma detectada na Escola EB 2,3 do Cerco do Porto, tida como problemática pela proximidade com o Bairro do Cerco, um dos focos do tráfico de droga na cidade. "O bairro é o bairro, a escola é a escola", dizia ontem Luís, aluno, ao DN. "Há aqui gente de Rio Tinto, da Areosa..."
Mário, que já lá não anda, recorda apenas ter visto uma vez "um assalto a uma professora". Telma aproxima-se e diz que "isso das armas é conversa de jornal". Em sintonia, o porteiro do estabelecimento de ensino pergunta: "Há alguma escola que não tenha problemas?". E testemunha: "Eu aqui nunca vi nada de anormal."
Entre as mães de alunos, não se sente o medo. "A minha filha e a minha sobrinha não se queixam. Para o bairro que é, não tenho que dizer", confessa Lília, apoiada por Céu, nada temente quanto ao futuro escolar do filho, ainda pequeno. Mais curiosa é a concordância literal entre a opinião de Malagueta, do 7.º ano, 14 anos, andar gingão e prosa solta, e a de Ludovina Costa, presidente do Conselho Executivo: "Há de tudo. Mesmo no bairro há muito boa gente."
Para a responsável máxima pela instituição, "trabalhar a indisciplina e a violência, que existem em qualquer escola, exige um investimento a médio prazo". O DN assistiu a um exemplo de conduta: à saída, alguns alunos rodearam Ludovina Costa e interpelaram-na de forma livre, humorada, sem reverência mas com respeito. "Por vezes temos de deixar a parte teórica e perceber a importância da sensibilidade", afirmou depois.
O realojamento no Cerco de ex-habitantes do Bairro S. João de Deus, outrora o mercado-rei da droga no Porto, suscita em Luís algum receio: "Espero que isto não volte a ser o que era." Mas as estratégias de inserção social, pelo menos na escola, estão em marcha, como revela Ludovina Costa: "Aceitamos todos os alunos. Basta de pensar que quem é pobre tem de ser violento! Tenho óptimos alunos pobres e outros fracos que vivem bem. E agora, por exemplo, vamos abrir um curso de alfabetização para adultos, em que dois terços são ciganos. Foque-se o lado positivo!"
Noutra EB 2,3 do Porto, a Pêro Vaz de Caminha, um dos estabelecimentos de ensino incluídos no Plano de Intervenção Prioritária do Ministério da Educação, a indisciplina faz parte do quotidiano. A mãe de um aluno, contactada pelo DN, recorda as vezes em que foi chamada a participar em reuniões devido a problemas dentro da sala de aula. "Na turma do meu filho é apenas um aluno, mas perturba imenso." Por causa desse menor, a frequentar o 8.º ano, foi solicitada a intervenção da Direcção Regional de Educação do Norte pelo conselho executivo. Para orientar o aluno, que chegou a entrar na sala dos professores com a intenção de bater numa professora, foi nomeado um tutor, de entre os docentes da escola.
A escola da Apelação, concelho de Loures, é para uma aluna "perigosa, mas fixe". Aqui as lutas entre os alunos são uma constante, lutam por brincadeira, mas também para se defenderem e marcarem posição. Os alunos dizem não saber de casos de uso/porte de armas, mas as funcionárias garantem que aparecem regularmente facas na escola. Num desabafo, revelam que "já ultrapassámos o nosso limite, continuamos a dar o nosso melhor e não temos qualquer reconhecimento". "Agora somos desautorizadas pelos nossos chefes, em frente aos alunos, que nos ameaçam" queixa-se uma funcionária ao DN.
Nos corredores, as palavras que alunos e funcionárias trocam estão carregadas de tensão. Os primeiros acusam as segundas de serem "mal- -educadas". As auxiliares falam de ameaças a si e aos seus filhos.
Aproxima-se uma funcionária com olhar cabisbaixo. Roubaram-lhe o fio de ouro. Outra conforta-a. "Deixa lá, eu já não trago nada disso para a escola." com A.B.F.