Lucília Tiago, in Jornal de Notícias
Belmiro de Azevedo critica utilidade de obras públicas nesta crise e diz que há falta de liderança em Portugal
"Os políticos falam do que não sabem, prometem o que não podem cumprir e preocupam-se pouco com a realidade", afirmou esta quarta-feira Belmiro de Azevedo num encontro promovido pelo Fórum para a Competitividade.
Com um discurso crítico, o patrão da Sonae foi claro ao referir que o investimento em obras públicas não terá impacto no desemprego, porque quem está a perder o emprego são pessoas "altamente qualificadas, mas com pouca qualificação para fazer túneis".
Apesar de ter esperança que "finalmente se aprenda com uma crise", Belmiro de Azevedo sublinhou que Portugal atravessa uma crise de liderança. "Temos uma crise de liderança no Governo, nos partidos, nas empresas, nas associações, nos sindicatos", precisou, adiantando serem necessários "melhores líderes" e "acabar com a demagogia dos discursos".
Fazendo o paralelismo com a crise de 1929, o empresário assinalou que, então, fez sentido investir em obras públicas para empregar a mão-de-obra indiferenciada que caiu no desemprego. Hoje, sublinhou, não é esse o perfil dos desempregados, pelo que insistir nesse tipo de investimento não vai ajudar as pessoas que estão a ficar sem trabalho. João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, partilhou desta posição, tendo acrescentado que muitos dos desempregados actuais são mulheres, que dificilmente irão trabalhar nas obras. Também o economista António Nogueira Leite sustentou que a política de investimentos deve excluir desperdícios. E "desperdício" é, na sua opinião, a construção da terceira ligação Lisboa/Porto por auto-estrada.
Todas as promessas que têm sido feitas e a forma como se tem lidado com a crise levaram Belmiro de Azevedo a afirmar ainda que os governos "acreditam no milagre de que a receita elástica é eterno". E, neste contexto, alertou para o perigo da dívida pública demasiado alta. O elevado défice externo e o financiamento da dívida pública foi uma das questões que centrou atenções dos vários participantes, tendo João Ferreira do Amaral afirmado que "o nosso modelo [de crescimento baseado no consumo e endividamento] era insustentável". Daniel Bessa foi mais directo nesta leitura, afirmando que, "para quem tem de gerir tudo isto do ponto de vista político", esta crise global "foi a sorte grande", porque "deixou de ser um problema só nosso e passou a ser culpa dos outros".
Apoiar as empresas que exportam foi uma das direcções apontadas neste encontro, com João Ferreira do Amaral a defender também o fim dos off shores - que "apenas servem para fugir aos impostos e para lavagem de dinheiro". Por seu lado, Daniel Bessa considerou que não se devem tentar travar os encerramentos das empresas em geral, pois as únicas "que realmente não se podem deixar falir" são os bancos comerciais.