23.2.09

Muitos ficam 'agarrados' à metadona para sempre

SÍLVIA MAIA, in Diário de Notícias


Toxicodependência. Mais de 24 mil estavam em tratamento, em 2007

"Um diabético precisa de insulina, há quem precise de opiáceo", diz Goulão

Jorge agarrou-se à metadona para largar a heroína, mas nunca mais conseguiu deixar o novo "vício" apesar de várias tentativas. Hoje, diz que já não tem pressa. Afinal, a droga que devia ser de substituição pode ser para o resto da vida.

Aos 46 anos, Jorge faz surf aos fins-de-semana, tem um emprego e uma família. Leva uma vida aparentemente normal, não fosse o ritual das quintas-feiras, dia em que vai buscar as doses de metadona para aguentar toda a semana. Sem ela, sabe que poderia ter uma recaída e voltar aos tempos "negros" de "consumidor solitário" de heroína.

Depois de todas as experiências frustradas que fez para abandonar o programa do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT), hoje tem consciência dos riscos que acarreta essa decisão. "Sempre que fiz o desmame fui lá parar outra vez", admite, referindo-se aos consumos de rua. "Agora, não tenho pressa."

A história de Jorge está longe de ser um caso isolado. Segundo o presidente do IDT, João Goulão, "as tentativas heróicas de interromper essa dependência em alguns casos dão resultado, mas na maioria não dão".

"Tal como um diabético precisa de insulina, há quem precise de um opiáceo", exemplifica, garantindo que "cada vez mais, a evidência científica aponta para aí".

Um em cada três utentes admitidos nos programas do IDT em 2007 já tinha andado em tratamento. E, dos que saíram dos programas, apenas 15% o fizeram com alta clínica.

O médico explica que "há, ao nível dos receptores nervosos, um deficit que se instala na produção de determinados mediadores químicos que impõe que a pessoa necessita de um opiáceo para conseguir ter uma vida social, familiar e profissionalmente integrada". "Com muita frequência", quando tentam parar, recaem, voltam aos consumos de rua e "acabam por deitar por terra todo o trabalho já conseguido". Daí que o IDT prefira manter os utentes nos programas "do que fazer um cavalo de batalha da descontinuidade desses tratamentos", conclui.