Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Pode o colapso islandês repetir-se na Europa de Leste? O impacto na zona euro seria muito maior
A queda das moedas das principais economias do Leste Europeu acentuou-se, ameaçando estes países com uma espiral semelhante à vivida pela Islândia, mas com um efeito potencial de contágio muito maior para a zona euro, incluindo Portugal.
O forint húngaro caiu 2,2 por cento face ao euro e registou um novo mínimo histórico. O zloty, a divisa polaca, caiu para um novo mínimo de cinco anos face ao euro, acumulando já uma perda de 36,8 por cento durante os últimos doze meses. E a coroa checa perdeu 2,2 por cento do seu valor para o euro, ficando no mínimo dos últimos cinco anos.
As divisas destes países do Leste europeu parecem cada vez mais frágeis, penalizadas pelo forte abrandamento das economias, o desequilíbrio externo acumulado ao longo dos anos, o elevado nível de endividamento dos agentes económicos em moeda estrangeira e a incapacidade dos respectivos governos para, sozinhos, enfrentarem estas pressões dos mercados. Um cenário que, embora de forma menos grave, faz recordar a espiral de depreciação da divisa em que entrou a Islândia em Setembro do ano passado.
Como afirmava ontem na edição on-line do Financial Times uma analista do Commerzbank, "a capacidade dos bancos, empresas e particulares para fazer face aos empréstimos contraídos deteriora-se a cada depreciação das moedas, o que por sua vez reduz ainda mais a confiança nas divisas do Leste europeu".
Zona euro penalizada
Para os países da zona euro, a ocorrência de um colapso de uma divisa do Leste da Europa traria consequências muito mais graves do que as do caso islandês. Isto porque os bancos da zona euro entraram de forma agressiva nestes mercados durante os últimos anos. São elevados os montantes dos empréstimos concedidos em euros a húngaros, polacos e checos e que, a cada depreciação das divisas, ficam mais difíceis de amortizar.
Ontem, a agência de notação financeira Moody's alertou para a possibilidade de redução dos ratings atribuídos aos bancos da zona euro com uma presença forte nos mercados do Leste europeu. Estão em causa activos que ascendem a mais de 1000 milhões de euros. A Áustria é, de longe, o país mais exposto, já que, segundo a Moody's, metade do seu negócio se realiza nos países do Leste europeu. Mas Portugal também não escapa aos efeitos de contágio, com destaque para a forte presença na Polónia da Jerónimo Martins e do BCP (ver caixa).
Esta ameaça já levou o Banco Central Europeu, no final de 2008, a dar uma ajuda à Hungria quando o país passou por uma primeira ameaça de colapso da sua divisa. Agora, torna-se cada vez mais provável uma nova intervenção deste género.
Spread nacional no máximo
Se, nos países do Leste europeu, as pressões dos mercados se fazem sentir por via da depreciação das divisas, dentro dos países da zona euro os problemas surgem através da subida do custo da dívida pública.
Ontem, os países em que o risco de incumprimento do Estado no pagamento da dívida pública é considerado maior - Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e Espanha - viram o diferencial dos juros das suas obrigações subir de forma acentuada face à Alemanha.
No caso português, a diferença das emissões a 10 anos chegou aos 174,9 pontos base, constituindo novo máximo desde que o euro foi lançado.
É neste cenário que têm vindo a aumentar os apelos para a criação de uma emissão de obrigações paneuropeias, que permitissem a todos os países financiar-se no mercado ao mesmo preço. O problema é que, como assinalou ontem um analista da Standard & Poor's, o risco atribuído a uma emissão desse tipo seria igual ao do país actualmente com o risco mais elevado. Ou seja, a Alemanha poderia ter de aceitar endividar-se a uma taxa semelhante à hoje suportada pela Grécia. Todas estas pressões, em conjunto com os riscos de contágio do Leste europeu, constituem uma ameaça à união monetária europeia e colocaram ontem o euro no seu valor mais baixo dos últimos três meses face ao dólar.
Mas este tipo de problemas é um exclusivo da Europa. Nos EUA, o estado da Califórnia, que se fosse um país teria a oitava maior economia do mundo, está cada vez mais sob a ameaça de um default na sua dívida. O governador Arnold Schwarzenegger já avisou que se o aumento de impostos que propõe não for aprovado terá de parar centenas de obras públicas e despedir milhares de funcionários.