Sofia Branco, Bruxelas, in Jornal Público
A crise é "muito forte" mas não obriga à adopção de "legislação revolucionária". A Comissão Europeia admite adoptar medidas suplementares mas, para já, como está ça marche
O Comissário Europeu para o Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades, Vladimír Spidla, diz que a deriva proteccionista, que "encontra mais terreno nos países mais fortes", não deve ser subestimada, mas não é o centro do problema. A "pressão crescente para adoptar medidas proteccionistas" é um dos temas em discussão no conselho informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, que decorre amanhã, em Bruxelas. A reunião extraordinária foi convocada para debater a coordenação de esforços no combate à crise económica e financeira.
Quais estão a ser os efeitos da crise económica no emprego?
O desemprego está a aumentar de forma muito, muito forte e poderá atingir os 10,5 por cento em toda a União Europeia. Esta é apenas uma previsão, a previsão média máxima. Claro que o desemprego não vai afectar todas as regiões da mesma maneira.
Quais serão mais afectadas?
Actualmente há problemas em Espanha, Irlanda, Inglaterra, Estados Bálticos... São os dados actuais, mas é difícil fazer previsões em situação de crise.
Que medidas está a Comissão Europeia a pôr em prática para combater o desemprego em particular?
A estratégia é clara. O primeiro passo, na verdade complexo, é o plano para relançar a economia europeia, no centro do qual está o trabalho. Não podemos estar contentes com as taxas de crescimento económico sem haver aumento de postos de trabalho. O objectivo maior é criar postos de trabalho de qualidade. Vamos utilizar todos os meios à nossa disposição: Fundo Social Europeu, Fundo da Globalização e fundos estruturais em geral. E também vamos utilizar muito a coordenação entre países-membros.
Esses fundos que mencionou têm dinheiro suficiente?
Até este momento, temos plena capacidade para trabalhar no quadro já decidido. É possível. Naturalmente, estamos a avaliar atentamente o desenvolvimento da questão e, se for necessário, adoptaremos medidas suplementares. Mas neste momento, e fazendo uma consideração geral, ça marche [o que há basta].
E a coordenação entre o plano de recuperação europeu e os planos de recuperação nacionais tem funcionado?
O resultado tem sido bastante bom. Claro que há problemas, pontos fracos.
Que pontos fracos?
Alguns países-membros não têm utilizado tudo o que está ao seu alcance. Por exemplo, continuamos a trabalhar muito nas deliberações sobre a reserva de cinco mil milhões de euros de que dispomos mas ainda não chegamos a resultados definitivos. A reserva existe mas ainda não há uma decisão sobre a forma como será libertada.
Que podem ser gastos em quê?
Segurança energética, alterações climáticas e estabilização ecológica (como desenvolver a energia solar, por exemplo), indústria e construção (melhoria da economia de energia nos edifícios, por exemplo). Mas a crise tem, sem dúvida, uma componente estrutural, o que significa que a economia europeia será diferente depois dela. Portanto, investir no capital humano e na formação de pessoas é de importância estratégica.
Acha que a emergência do proteccionismo é momentânea, neste tempo de crise, ou veio para ficar?
É preciso dizê-lo claramente: nenhum Estado-membro tem capacidade para agir de forma eficaz autonomamente [face à crise]. É impossível. Mas alguns países podem ter essa ilusão... Uma resposta eficaz tem de ocorrer ao nível europeu e ser coordenada. A longo prazo, e se andamos à procura da luz ao fundo do túnel, creio haver a consciência de que o proteccionismo é um beco sem saída. Actualmente, em todas as sociedades, há tendências não racionais, não justas e por vezes perigosas, com grande capacidade destrutiva. Estas forças aumentam em tempo de crise. Não podemos subestimar o perigo, mas o proteccionismo não está no centro do problema. O desemprego é que está.
Não subestimar significa exactamente o quê, da parte da Comissão?
Significa não fazer concessões no que é fundamental, por exemplo no que diz respeito às regras e estrutura do mercado interno. E passar uma forte mensagem política em defesa do mercado único e da livre circulação de trabalhadores, que nos darão força para sairmos da crise, que é grave. Sem isso não temos qualquer hipótese, qualquer hipótese... É preciso estarmos dispostos a batermo-nos por esta posição razoável e sólida.
No que respeita ao proteccionismo, está mais preocupado com este ou aquele país?
Não, não quero fazer uma tabela, seria muito subjectivo. Estamos a assistir a certas tentações e formulações sem dúvida próximas do proteccionismo. E é claro que os países mais pequenos não têm qualquer hipótese de desenvolver ideias proteccionistas. Essa ilusão encontra mais terreno nos países mais fortes no seio da União Europeia.
Em que circunstâncias a Comissão consideraria necessário adoptar uma iniciativa legislativa?
O corpo legislativo europeu que assegura o mercado único é sólido. Não vejo razões para mais iniciativas legislativas, pelo menos no meu domínio de competência. Naturalmente a crise vai exigir legislação nos planos económico e financeiro. A situação já o exigiu. Mas é um processo de ajustamento do sistema de mercado único. Não precisamos de legislação revolucionária. A grande questão, no meu domínio de competência, é saber como assegurar a protecção social no quadro do mercado único sem criar espaço para tentativas de proteccionismo.
Já disse que é preciso manter a vigilância. Que tipo de vigilância?
Uma vigilância flexível. No caso da banca, a Comissão Europeia tomou uma posição juridicamente sólida e politicamente compatível com as regras do mercado único, sem que tenha sido ideológica.
Quando conheceremos os resultados do estudo que pediu sobre a mobilidade de trabalhadores na União Europeia?
Depende dos parceiros sociais. Tenho insistido muito para que trabalhem rápido. A minha ideia mantém-se: são os parceiros sociais que melhor sabem o que é necessário, quer seja em tempo de crise quer seja em tempo de estabilidade.