João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Os sindicatos concordaram com a medida do Governo em vigor desde 2007. Mas nunca pensaram que o Governo a aplicasse aos subsídios de desemprego
Para responder à crise, o Governo alargou o prazo de concessão do subsídio social de desemprego, mas os serviços da Segurança Social estão a aplicar desde 2007 uma lei que tem vindo a retirar cada vez mais dinheiro ao subsídio social de desemprego e ao próprio subsídio de desemprego. Em 2009, já serão, no mínimo, 30 euros a menos.
A lei em causa é o diploma que criou o indexante dos apoios sociais (IAS). A Lei 53-B/2006 veio ao encontro de uma preocupação sindical. O salário mínimo - ou na sua designação actual a retribuição mínima mensal garantida (RMMG) - estava a perder poder de compra, porque, como estava ligado às prestações sociais, os Governos mostravam-se relutantes em o aumentar, para evitar derrapagens orçamentais. A solução foi desarticular a evolução das prestações sociais da RMMG e criou-se um indexante (o IAS) para o aumento dessas prestações. A vantagem foi criar um mecanismo objectivo de progressão das prestações e independente da arbitrariedade política.
Nada disto teria importância para os desempregados, se a lei não tivesse introduzido uma pequena alteração. A Lei 53-B/2006 fixou que o IAS substituiria a RMMG como "referencial determinante da fixação, cálculo e actualização dos apoios e outras despesas", ou seja, incluindo os subsídios de desemprego.
O subsídio social de desemprego - atribuído a quem já esgotou o subsídio de desemprego - corresponde a 100 ou 80 por cento por cento da RMMG. E o próprio subsídio de desemprego está limitado às 3 RMMG.
Ora, isso acarretou que o subsídio de desemprego crescesse menos do que anteriormente. Em 2006, o IAS e o salário mínimo partiram de um valor igual (385,9 euros). Em 2007, o IAS era de 397,86 euros contra 403 da RMMG (5,14 euros de diferença). Em 2008, o IAS subiu para 407,41 euros, mas a RMMG cresceu para 426 euros (18,59 euros de diferença). E em 2009 o IAS está em 419,22 euros e a RMMG em 450 euros (30,78 euros de diferença).
E será legal a substituição da RMMG pelo IAS? No fundo, trata-se de um montante substitutivo de uma retribuição, pelo que, à primeira vista, deveria estar ligada à evolução da retribuição mínima. Assim pensam os juristas sindicais. Mas especialistas de direito laboral de diversos escritórios de advogados - Tiago Furtado Martins da Sérvulo & Associados, Glória Leitão da Cuatro Casas, Gonçalves Pereira ou Tiago Cortes da PLMJ - consideram que a medida não é ilegal. Mais: vem inserta numa lei (diploma do IAS) com maior força legal que o decreto-lei (diploma do subsídio de desemprego). Mas atestam que a medida representa uma quebra dos apoios sociais concedidos à protecção ao desemprego.
"Entendo que a substituição é plenamente válida", afirma Tiago Furtado Martins. "A circunstância de o subsídio de desemprego ser uma prestação social que visa substituir a remuneração perdida não obsta a que o seu valor seja inferior ao da RMMG." Na verdade, "não é uma prestação retributiva e, por isso mesmo, o seu montante não tem de respeitar o valor da RMMG". De igual forma pensa Glória Leitão: "O subsídio de desemprego visa reparar a perda de remuneração que o trabalhador sofre com a situação de desemprego, mas não visa necessariamente substituir integralmente essa perda". Já o valor do subsídio "não corresponde ao valor da remuneração 'desaparecida' com a perda do emprego, mas a 65 por cento do valor da remuneração" recebida pelo trabalhador "com tecto igual ao valor correspondente a 3 vezes a RMMG ou IAS (consoante a interpretação adoptada)". E semelhante opinião é sustentada por Tiago Cortes.
O que se passa com o IAS é que o Governo optou por uma progressiva redução do valor do subsídio de desemprego face à situação anterior. Mas mais uma vez, segundo Tiago Furtado Martins, "não existe qualquer princípio geral que impeça o Estado de diminuir o valor das prestações atribuídas pela Segurança Social. Aliás, há exemplos muito recentes disso mesmo, designadamente, em matéria de pensões de reforma".
O Governo (que não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÚBLICO) poderia alegar que a situação actual resultou de um acordo com a parte sindical. Ainda assim, é possível notar uma aparente contradição entre uma regra que retira apoios ao desemprego, quando o Governo decide prolongar a concessão desse mesmo apoio. Ou perguntar em que medida esse prolongamento pode estar a ser "financiado" pelos "poupanças" orçamentais conseguidas.