Eduarda Ferreira, in Jornal de Notícias
Narcóticos para fins de saúde são controlados por convenções, mas tráfico prejudica objectivos
Convenções internacionais estipulam o cultivo, transformação, transporte e comércio de estupefacientes com fins médicos. Mas o tráfico interfere nestes circuitos. Por outro lado, um uso insuficiente deixa gente em sofrimento.
O relatório do Órgão Internacional para o Controlo de Estupefacientes relativo a 2008 dá conta da situação mundial sobre a origem, trânsito e uso de narcóticos e psicotrópicos e oferece uma visão nos dois lados do espelho: por um lado, a realidade das substâncias com uso médico, por outro, o tráfico dos narcóticos feito também à custa dos que são permitidos. Estes são usados como percursores de medicamentos destinados a aliviar os sintomas de doenças (em alguns casos leves, como a tosse ou as alergias). Mas também são essenciais para tornar toleráveis dores agudas e/ou crónicas, casos de doentes terminais com cancro ou doenças cardíacas.
No seu relatório, o órgão das Nações Unidas recorre a dados da OMS para indicar que o uso de medicamentos à base de estupefacientes não encontrou equilíbrio: haverá em todo o Mundo 86 milhões de pessoas a sofrer de dores intoleráveis porque os serviços de saúde, quando os há, ou não estão preparados para ministrar tais medicamentos ou não têm acesso a eles. Mesmo no caso europeu há diferenças entre regiões, sendo que na ocidental e setentrional são mais usados os fármacos opióides para tratar a dor forte e moderada. Em alguns países do Sul, este tipo de analgésicos quintuplicou nos últimos dez anos.
Já fora das aplicações terapêuticas, o retrato feito também refere os desequilíbrios, por norma relacionados com o tráfico ilegal. Por exemplo, a Europa continua a ser o segundo maior mercado de cocaína em todo o Mundo e tem idêntica posição no consumo de opiáceos.
O caso português surge referido por três vezes, mas sempre relacionado com a posição do país como ponte para o tráfico de droga a partir da América do Sul e cada vez mais com trajectos por Cabo Verde e Guiné-Bissau. Na Europa, entram em cada ano 40 toneladas de cocaína a partir da África Ocidental. A circulação de medicamentos fabricados de forma ilegal, muitos deles traduzindo-se em preparados farmacêuticos com narcóticos e substâncias psicotrópicas, está cada vez mais a ser feita através de serviços postais, por compras através da Internet. "Ainda que sejam individualmente pequenas quantidades, elas acabam por perfazer quantidades significativas". O tráfico de benzodiazepinas encontra nos correios internacionais uma via para o seu fluxo.