Sérgio Aníbal, in Jornal Público
A inflação homóloga ficou abaixo de zero pela primeira vez em quase meio século, mas entre os economistas não há festejos pela descida de preços. A ameaça de deflação, embora ainda distante, preocupa
Quando a crise é grave, como a actual, nem uma descida dos preços pode ser vista como uma boa notícia.
Ontem, o Instituto Nacional de Estatística (INE) anunciou que a taxa de inflação homóloga, durante o passado mês de Março, foi de -0,4 por cento, a primeira vez desde Agosto de 1962 que os preços recuaram em Portugal. No entanto, apesar dos benefícios para o poder de compra que este resultado pode já ter trazido a muitos portugueses, a verdade é que se esta primeira descida de preços acabar por se revelar como o início de uma espiral de deflação em Portugal, as consequências podem ser muito negativas para todos e por um longo período de tempo.
A entrada em deflação é, para os especialistas, um dos mais graves problemas por que pode passar uma economia, já que a coloca numa espiral que se auto-alimenta e que a condena a um período longo de estagnação, com poucas soluções de política económica à vista. Foi o que aconteceu durante a Grande Depressão dos anos 30 (a que Portugal não escapou, com descidas de preços consecutivas entre 1929 e 1932) e, mais recentemente, no que agora se classifica como a "década perdida" da economia japonesa nos anos 90.
Por isso, agora que se registou em Portugal uma descida de preços, as atenções viram-se não para a vantagem que os portugueses podem retirar de ter produtos mais baratos, mas sim para a discussão dos riscos de início de um processo de deflação.
O efeito petróleo...
Para já, numa coisa todos os economistas concordam: aquilo que se passa agora em Portugal não é ainda deflação. Para se poder dizer que uma economia está em deflação é preciso que as descidas de preços sejam persistentes ao longo de vários meses, se verifiquem na grande maioria dos produtos e influenciem de forma decisiva as expectativas para o médio prazo das empresas e dos particulares.
As duas primeiras condições estão ainda longe de se concretizar. Para já, só temos um mês de inflação negativa e, em 148 categorias de produtos classificados pelo INE, são apenas 50 as que apresentam descidas de preços.
Aliás, olhando para os números ontem divulgados, torna-se claro que para a descida de preços registada em Março, existe um contributo muito forte de um único tipo de produto: os combustíveis. Um contributo que, prevêem os analistas, se pode vir a desvanecer na segunda metade deste ano.
Em Março, o preço dos produtos energéticos caiu, em média, 11,2 por cento face ao mesmo período do ano anterior. E retirando estes bens dos cálculos, a taxa de inflação homóloga não seria de -0,4 por cento, mas sim de 0,8 por cento.
A influência dos produtos energéticos na actual descida de preços acaba por ser também a grande esperança de que a situação, até ao final do ano, se venha a normalizar. É que foi precisamente em meados do ano passado que o mercado petrolífero mundial bateu os recordes de subida, corrigindo as cotações a partir de Agosto. Este facto afecta a inflação homóloga que se regista este ano. Teresa Gil Pinheiro, analista do BPI, diz que, "até Julho, é possível que se venham a registar mais meses de variação negativa de preços, mas a partir desse momento pode-se voltar a valores positivos". Esta economista aponta para uma inflação média anual no final de 2009 de 0,4 por cento.
... e o efeito da recessão
Mas, para além dos combustíveis, há outras forças que também começam, de forma mais lenta e moderada, a baixar os preços dos produtos. As restrições no acesso ao crédito, a subida do desemprego e a descida da confiança dos consumidores e empresários estão não a fazer recuar a procura e, por essa via, a fazer descer os preços. A variação do índice de preços, retirando o efeito da energia, passou de 2,1 por cento no início do ano passado para 0,8 por cento agora, o que mostra que nem só os combustíveis estão a influenciar a inflação.
É este tipo de movimento que encerra maiores riscos, já que pode levar a que se comecem a criar, tanto entre as empresas como entre os particulares, expectativas de uma descida dos preços a médio prazo: o verdadeiro combustível de que se alimenta um processo de deflação.
Assim, apesar do efeito produzido pelos bens energéticos ser pontual, não se pode deixar de considerar a existência de um risco de deflação, que está directamente relacionado com a forma como as economias vão conseguir sair da actual recessão. Em declarações recentes, Vítor Constâncio disse que os riscos de ocorrência de deflação eram ainda "minúsculos", mas reconhecia que têm vindo a aumentar.
Carlos Santos, professor da Universidade Católica, no Porto, lembrando os números de crescimento muito negativo que se antecipam para Portugal, diz que "devemos claramente estar num output gap negativo, suficiente para induzir deflação" e revela preocupações relativamente à capacidade das autoridades europeias para evitar este problema, devido ao "espartilho do PEC" e "a excessiva preocupação do BCE com a inflação".
Neste caso, o habitualmente pessimista José Silva Lopes, ex-governador do Banco de Portugal, diz estar "mais optimista". "O BCE e os outros bancos centrais estão a emitir muita moeda e acredito que vão conseguir evitar a deflação."