Lucília Tiago, in Jornal de Notícias
Preços desceram 0,4% em Março, mas risco de deflação ainda está afastado
A inflação baixou em Março para terreno negativo, o que acontece pela primeira vez desde a década de 60, mas os economistas afastam para já um cenário de deflação. Estes valores reflectem a queda dos preços do petróleo e bens alimentares.
O índice de preços do consumidor caiu em Março 0,4%, face a igual mês do ano passado, evidenciando, por um lado, a descida (para quase metade) do preços dos combustíveis e, por outro, o enfraquecimento da procura de algumas classes de produtos (ver info). Os valores ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam, no entanto, que não se está perante uma quebra generalizada dos preços, pelo que, para já, se mantém afastado um cenário de deflação.
Para os economistas contactados pelo JN, a situação é de incerteza, mas não estão reunidas as condições para que Portugal entre numa espiral deflacionista - definida como uma quebra generalizada e continuada dos preços.
A descida homóloga de 0,4% registada em Março (que compara com a subida de 0,2% em Fevereiro) retoma "o acentuado perfil descendente" iniciado em Setembro de 2008 e é especialmente influenciada pela classe dos transportes (que inclui os combustíveis) e de alguns produtos alimentares. "Há nestes valores um efeito estatístico, que é reflexo de, no ano passado, o preço de algumas matérias-primas terem tido uma forte valorização", referiu ao JN Teresa Gil Pinheiro, economista do BPI. Com efeito, em Março de 2008 o barril de Brent cotava a 102,86 dólares, contra a média de 47,41 dólares no mês passado. Excluindo os produtos alimentares não transformados e energéticos, os preços subiram em Março 0,9% por comparação com os valores registados um ano antes. Os valores de Março mostram também abrandamento no consumo de alguns produtos. Ainda assim, e ao contrário do que sucedeu com as duas classes de produtos atrás referidas, os consumidores confrontaram-se com subidas de preços das despesas com habitação, electricidade, água, gás e outros combustíveis, e nos restaurantes e hotéis.
Relativamente à evolução mensal, verifica-se que em Março os preços aumentaram 0,8% em relação ao Fevereiro - quando neste mês se registou uma variação nula face a Janeiro. Esta situação é explicada pelo fim da época dos saldos do vestuário e calçado e pelo efeito da entrada das novas colecções para a Primavera e Verão. Depois de nos dois primeiros meses do ano estes produtos terem tido variações negativas, em Março observou-se uma subida de 20%. Nas comunicações e na Saúde há também a registar subidas mensais de preços, de 1,1% e 0,1%, respectivamente.
Para o antigo ministro das Finanças José Silva Lopes, os valores ontem divulgados pelo INE não são preocupantes, antes reflectem a situação de crise económica. "Em períodos de crise é natural que os preços não subam", referiu ao JN, adiantando ser muito cedo para poder estimar se há risco de deflação. Ainda que acredite que a política monetária que tem estado a ser promovida pelo Banco Central Europeu deverá evitar uma situação desta natureza. Cristina Gil Pinheiro acrescenta que as medidas anti-crise que têm estado a ser tomadas também tenderão a incentivar a procura e, com isso, dificultar que se entre num período de queda generalizada de preços que, precisam estes economistas , é bastante mais difícil de combater do que uma subida da inflação.
Ainda que junto dos consumidores possa haver a sensação de que os preços não estão mais baixos, os dados mostram que há efectivamente classes de produtos em que comprar o mesmo custa menos do que há um ano atrás. A actual situação acaba mesmo por beneficiar quem teve aumentos salariais.