Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Deslocalização de empresas, desvalorização da libra ou entrada na idade de reforma foram razões para sair. O vinho do Porto continua a ser razão para ficar
"Não serão os britânicos ligados ao vinho do Porto" que estarão a abandonar o distrito do Porto, acredita David Guimaraens, enólogo do grupo The Fladgate Partnership, detentor de marcas como a Taylor's, a Fonseca e a Croft. Serão os que trabalham em indústrias que se deslocalizam, como o têxtil e o calçado, arrisca Linda Matthews, secretária do Oporto Brithish Club.
Linda vê o mundo mudar à sua volta: "Definitivamente, temos menos britânicos a frequentar o clube." E lembra-se, por exemplo, do encerramento da Unidade Industrial C.J. Clark's de Castelo de Paiva. Nela labutavam técnicos especializados oriundos do Reino Unido. "Mais de uma dezena de membros do clube trabalhava lá e deixou o país quando a fábrica fechou".
Nos últimos anos, multiplicaram-se as notícias sobre o fecho de unidades fabris e de outras empresas. O Estudo sobre a Pobreza na Região Norte de Portugal - realizado pelo Centro de Estatística da Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas e pela Universidade Fernando Pessoa para a Comissão Europeia - indica que a região Norte é já a mais pobre de Portugal.
Linda conhece técnicos que tentaram resistir - "serem independentes no negócio dos sapatos" - e acabaram por desistir; por regressar ao Reino Unido ou por avançar para países de mão-de-obra mais barata. As famílias associadas ao vinho, ressalva, "são diferentes". Têm raízes profundas. David Guimaraens, por exemplo, representa a sexta geração da secular Casa de Vinho do Porto Fonseca Guimaraens.
Por tradição, os britânicos residentes no Porto dividem os estudos entre Portugal e o Reino Unido. Alguns "vão estudar e ficam por lá", diz o enólogo. Ele próprio andou pelos Estados Unidos da América e pela Austrália antes de regressar ao Porto. Mesmo assim, esse movimento não serviria para explicar "uma redução tão drástica" da comunidade britânica. "Somos quatro irmãos e só uma irmã ficou em Inglaterra!"
População envelhecida
Conjugam-se diversos factores para provocar a passagem, no Porto, de 1075 britânicos em 2007 para 470 em 2008, patente nos relatórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A população britânica envelheceu. "Morreram alguns", nota Joe Álvares Ribeiro, director do Oporto Brithish Club. Impulsionados pela desvalorização da libra face ao euro, também há reformados que estão a optar por regressar ao país de origem. E o defeito estatístico conspira: o nome de britânicos que já saíram em anos anteriores pode só agora ter sido apagado.
Ter o cartão de residência actualizado pode ser uma dor de cabeça. Pelo menos é-o para o enólogo da The Fladgate Partnership: "Vou uma vez por ano com o meu filho ao SEF. É um pesadelo total. É preciso marcar pela Internet. Há uma lista de espera de dois ou três meses. Depois, somos mal atendidos." Quem quer ir lá avisar que vai partir?
470 é o número actual de cidadãos britânicos com residência regular no distrito do Porto. Segundo os dados do relatório divulgado recentemente pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiros, esse número era de 1075 no ano anterior.