Romana Borja-Santos, in Jornal Público
Governo, patrões e sindicatos chegaram a acordo mas CGTP quer que os três primeiros dias também sejam pagos. Nem que seja pelas próprias empresas
Menos de três horas foram suficientes para Governo, patrões e sindicatos chegarem a um acordo sobre quem pagará a factura da gripe A, quando os trabalhadores forem obrigados a ficar em casa por precaução ou para apoiar os familiares. O Estado vai assumir a responsabilidade e, para isso, vai equiparar esta ausência temporária a uma baixa médica, justificando que se trata de uma questão de saúde pública. Os parceiros ficaram globalmente satisfeitos com a reunião de concertação social que teve ontem lugar, mas a CGTP aponta um pequeno senão: a estadia em casa dura apenas cinco a sete dias e a lei prevê que os primeiros três não sejam pagos.
Para o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ainda é muito cedo para se falar em números finais. "Admitimos com uma margem de erro elevada que os custos desta protecção social se situem entre os 35 e os 70 milhões de euros", afirmou Vieira da Silva. Um número que está muito abaixo dos mais de 500 milhões de euros apontados como despesa para o Estado, num estudo feito esta semana pela consultora Deloitte. Uma diferença que o ministro explica com o facto de o valor agora avançado dizer apenas respeito às baixas.
Os três dias da polémica
Sobre a possibilidade de se alterar a lei para a Segurança Social pagar os três primeiros dias, Vieira da Silva assegurou ao PÚBLICO que esse cenário está completamente afastado, pois os encargos também terão de ser suportados pelas empresas e, na maioria dos casos, a contratação colectiva abarca o pagamento destes dias iniciais.
Assim, nas mãos do Estado fica o restante período, em que será pago 65 por cento do ordenado bruto e que vai exigir um diploma específico. O titular da pasta do Trabalho sublinha, contudo, que em termos líquidos a percentagem é maior, já que o trabalhador não pagará a Segurança Social durante este tempo. Globalmente, a UGT estima que o trabalhador perca 20 por cento do ordenado.
A actual legislação - e que patrões e sindicatos conseguiram que não seja aplicada nesta pandemia - determinava que, no caso de encerramento ou diminuição temporária da actividade por motivos de "força maior", os trabalhadores perderiam um quarto do seu ordenado e a empresa asseguraria o pagamento dos 75 por cento. Um enquadramento legal muito antigo e que não previa nenhum cenário em que o ónus estivesse do lado da saúde pública.
Mesmo assim, o presidente da UGT, João de Deus, garantiu que o encontro foi "além das expectativas e extremamente útil", em especial por se ter preparado um documento para as empresas alinhavarem planos de contingência eficazes e por se ter percebido o papel de todos os intervenientes a cada momento - o segredo para a contenção da doença.Questionado sobre a possibilidade de poder haver alguns abusos, o sindicalista recordou que "a empresa não pode unilateralmente de forma nenhuma mandar alguém para casa", já que esta decisão tem de ter luz verde da autoridade de saúde.
Também o presidente da Confederação das Indústrias Portuguesas, Francisco van Zeller, salientou que ficou bem definido "o papel que cada um pode ter na fase de contenção da doença" e lembrou que se estar a falar de cenários hipotéticos, sendo que o mais provável é não ocorrerem encerramentos de empresas em massa.
Casos já totalizam 198
Já Joaquim Dionísio, da CGTP, apelidou a reunião de "esclarecedora" mas criticou o timing em que aconteceu - "talvez venha um pouco atrasada", disse o responsável. Depois, considerou que a gripe pode ser "excessivamente grande em matéria de perda salarial", pelo que espera que o Governo ou as empresas ainda resolvam a polémica dos três primeiros dias que insiste que não devem ser suportados por quem trabalha.
A ministra da Saúde, também presente no encontro, preferiu centrar o seu discurso na importância de se conter o avanço na doença, apesar de assegurar que "uma situação de catástrofe" está prevista, pois a tutela tem de estar preparada para "todos os cenários". Mas ressalvou: "O que dizemos e repetimos é que pensamos que isso [o encerramento de empresas em massa] não vai ser necessário."
Ontem foram confirmados mais dez novos casos de gripe A (H1N1) em Portugal, num total de 198. Apenas um não é importado, o que demonstra que o avanço da infecção está a ser bastante lento, em especial quando comparado com outros países.
Ainda assim, Ana Jorge reconheceu que, pontualmente, o fecho de uma instituição poderá ser uma medida eficaz e deu como exemplo o externato nas Pedralvas, em Lisboa, que foi a primeira escola a fechar para travar o contágio. No entanto, perante uma disseminação do número de casos, assegura que nada se ganha em fechar um espaço e insistiu que a decisão final será sempre do delegado de saúde. Por agora, prefere insistir nos planos de contingência para as empresas - seja qual for o número de funcionários -, sendo que estão já previstas cinco reuniões regionais para divulgação de planos, para que a razão económica não seja um entrave à prevenção.
Planos de contingência
Recorde-se que a maioria das empresas em Portugal ainda não tem um plano para enfrentar a nova estirpe do vírus H1N1 e, segundo um estudo da consultora de risco Marsh, só um quarto das empresas está efectivamente preparada para dar uma resposta.
Segundo garantiu ao PÚBLICO o vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal, Paulo Nunes de Almeida, este número está já a crescer, pois as empresas estão a perceber que "um plano não tem um custo tão grande que justifique não o fazer". Depois, o responsável avançou que a própria associação aprovará na próxima semana um plano que disponibilizará a todas as empresas e que tem estado a ajudar os 3000 associados a adaptarem as medidas às duas dimensões.
65% é o valor do ordenado bruto que o Estado vai pagar. Porém, o valor líquido corresponde a uma percentagem mais elevada, já que o trabalhador fica temporariamente isento de pagar a Segurança Social.