Nicolau Ferreira, in Jornal Público
Sociedade Americana de Meteorologia recomendou que se estudem a sério as ideias mais radicais para mudar clima da Terra
Uma salvação realista para as alterações climáticas ou uma quimera saída da cabeça de cientistas com vontade de controlar a natureza? Provavelmente nenhuma das duas, mas a decisão no início da semana da Sociedade Americana de Meteorologia (SAM) de recomendar o estudo da geoengenharia só mostra o grau de importância que o tema ganhou na discussão científica e política para impedir que a Terra se torne numa estufa sem controlo.
As alterações climáticas são uma realidade. A preocupação é saber como combatê-las. O corte das emissões de gases que provocam efeito de estufa e que, na perspectiva mais negra, podem tornar a Terra 5,8ºC mais quente no fim do século é a única forma de fazer retroceder o processo. O que saiu da última reunião do G8, em Itália, foi uma declaração de boa vontade que definiu uma subida de dois graus da temperatura média da Terra como o máximo a permitir.
Mas, de acordo com Filipe Duarte Santos, uma voz nacional do estudo das alterações climáticas, o que há é "muita retórica". "As acções necessárias [para cortar as emissões] são numa escala gigantesca, é um desafio muito grande a nível dos custos", disse por telefone ao PÚBLICO.
É neste contexto que a geoengenharia - "a manipulação intencional e a larga escala do ambiente", na definição de David Keith, do Instituto para Energia Sustentável, Ambiente e Economia da Universidade de Calgary (Canadá) -surge como plano B.
O conceito tomou impulso com um ensaio de 2006 de Paul Crutzen, galardoado com Nobel da Química por descobrir o efeito dos aerossóis na camada de ozono. O holandês sugeria a injecção de dióxido de enxofre (SO2) na estratosfera para reflectir mais raios solares e diminuir a temperatura média terrestre.
Este é um dos vários projectos de geoengenharia propostos (ver caixa) para inverter o aquecimento global e tem sido o mais ponderado, com o apoio de sumidades como Crutzen.
Exemplo de Pinatubo
As estimativas não seriam desmesuradas: alguns milhares de milhões de euros anuais para pôr entre um e dois milhões de milhões de gramas de SO2 na estratosfera. Custaria muito menos do que retirar CO2 da atmosfera ou cortar significativamente as emissões.
A ideia apoia-se na natureza. Em 1991, o vulcão Pinatubo, nas Filipinas, expulsou dez megatoneladas de enxofre e muita cinza, diminuindo a temperatura média global em meio grau no ano seguinte.
"O Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC) não tem advogado a geoengenharia", disse Filipe Duarte Santos. "Principalmente devido ao desconhecimento das suas consequências." No caso de colocar SO2 na estratosfera, para além de um clima mais frio, pode-se causar um aumento no buraco do ozono, chuvas ácidas, diminuição da precipitação nos trópicos e várias alterações meteorológicas.
O certo é que se sabe pouco. "Há benefícios potenciais, mas também riscos e custos. Não temos informação suficiente para quantificar estes benefícios e riscos, por isso quem faz as políticas não pode tomar decisões ou pôr em prática certas políticas. É por isso que advogo mais investigação", disse por e-mail ao PÚBLICO Alan Robock, um dos especialistas por trás da declaração da SAM.
Mas teme-se que o desvio das atenções para a geoengenheria adie o corte das emissões. Robock é claro: a geoengenharia só poderá funcionar como "uma medida temporária até que a mitigação seja eficaz". Se os cortes nas emissões forem esquecidos, a acidificação dos oceanos aumentará até secá-los de vida. E teríamos de aumentar a quantidade SO2 na estratosfera até limites insuportáveis.
David Keith dá outra justificação para se investigar mais. Se algum país decidir apostar num tipo de geoengenharia, sem argumentos científicos é difícil a comunidade internacional falar contra ou a favor. Para mais, não existe nenhum órgão dedicado ao direito internacional da estratosfera. Tanto Robock como Duarte Santos defendem que uma decisão terá de passar pelas Nações Unidas.
Esta declaração da SAM, contudo, tem um significado. "Estão um pouco cépticos sobre a capacidade a nível mundial de se reduzir as emissões", diz Filipe Duarte Santos. "Isto é um plano B e a primeira fase é estudar."