26.7.09

Norte ganhou imigrantes brasileiros mas perdeu britânicos e alemães

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras revela que o número de estrangeiros aumentou em Portugal, embora tenha descido no Norte e em particular no Porto


Muito por força da crise que parece fustigar mais o Norte do que outras regiões do país, alguns imigrantes estão a fazer as malas e a virar as costas. Embora o número total de estrangeiros residentes em Portugal tenha subido, ligeiramente, durante o ano passado, o registo indica que Porto, Viana do Castelo e Vila Real perderam gente.

Os números constam do relatório anual do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). No ano passado, havia 440.277 estrangeiros com permanência regular em Portugal - mais 4541 do que em 2007. O distrito do Porto contava 26.439, quando no ano anterior somava 28.013.

Viana do Castelo desceu menos - passou de 2961 para 2567. Vila Real também - 1818 para 1807. Na região Norte, só Braga e Bragança, distritos com populações estrangeiras modestas, contrariam esta tendência de queda generalizada. O primeiro dos dois distritos passou de 7451 para 8562, enquanto o segundo saltou de de 1350 para 1545.

Feitas as contas, o saldo é negativo para o Norte do país, que registou uma descida de quase dois mil imigrantes no espaço de um ano. A diminuição, no entanto, pode não ser tão drástica como aparece na tabela anexa ao relatório do serviço de estrangeiros.

Mercado "mais severo"

O método de recolha de dados foi aperfeiçoado. O SEF admite a hipótese de, até 2007, haver uma sobreestimativa de algumas nacionalidades e uma subestimativa de outras (ver caixa ao lado). Quer isto dizer que havia quem tivesse saído do território nacional sem que a sua saída tivesse ficado devidamente registada. E há sempre quem entre e se fixe sem que a sua estadia seja contada. Podem não ter saído todos num ano. Podem ter saído, pouco a pouco, nos últimos anos. Saíram.

Carlos Laje, presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, não se surpreende com estes dados agora divulgados. A perda de estrangeiros parece-lhe "uma reacção significativa", que vem "mais uma vez comprovar que o mercado de trabalho no Norte está mais severo".

Os efeitos da nova lei

A economia nortenha tentava ajustar-se à desindustrialização, "procurando incorporar processos produtivos geradores de maior valor acrescentado", observa o também dirigente socialista. De repente, a crise internacional caiu-lhe em cima. A crise assume uma importância acrescida aqui, na região de maior orientação exportadora. Carlos Lage não aponta só a indústria, "um dos sectores mais flagelados". Também a construção civil, que "sofreu uma contracção muito forte".

Laje procura outras explicações extra-económicas. O Norte recebe poucos cidadãos de países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), que lhe parecem ter mais tendência a fixar-se no território nacional: havendo uma crise de emprego na União Europeia, mais depressa os europeus circulam de uns países para os outros.
Com efeito, comparando o relatório deste ano com o do ano anterior, percebe-se que as nacionalidades europeias estão em perda no Porto. Os cidadãos do Reino Unido passaram de 1075 para 470 (ver texto ao lado), os da Alemanha de 1313 para 680, os da Bulgária de 338 para 226, os de Espanha de 1687 para 1126, os da Holanda de 242 para 143, os da Suécia de 100 para 65, os da Suíça de 113 para 61.

Mas também se assiste a uma diminuição do número de cidadãos dos países africanos de língua oficial portuguesa: Angola (de 1439 para 1227), Cabo Verde (de 1597 para 1360). E do número de cidadãos de países de emigração tradicional, como os EUA (de 255 para 218), a Venezuela (de 221 para 215) ou a África do Sul (121 para 60).

As dificuldades do Porto

"A variação negativa [em Cabo Verde e Angola] acompanha a tendência nacional e é explicada sobretudo pela nova Lei da Nacionalidade, que permitiu o acesso à nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos dos PALOP, que há mais anos se encontravam em Portugal", explicou o SEF por e-mail. Já a variação de imigrantes oriundos de países como a Venezuela ou os Estados Unidos da América estará relacionada, sobretudo, com luso-descendentes que entram com passaporte estrangeiro e solicitam depois a nacionalidade portuguesa.

A quebra só não é maior por haver nacionalidades que a contrariam de forma muito clara: pessoas que estão a chegar ou que estão cá e aproveitam a nova lei em vigor para sair, em definitivo, da clandestinidade. Exemplos: os brasileiros passaram de 7083 para 8276, os ucranianos de 3708 para 3853, os russos de 561 para 626, os moldavos de 474 para 577, os romenos de 363 para 440, os bielorrussos de 89 para 10.

Manuel Solla, membro da Comissão Nacional de Legalização de Imigrantes, acrescenta ainda um outro aspecto às fraquezas do mercado laboral português: corre nos circuitos da imigração que é mais difícil obter a autorização de residência no Porto. Segundo essa suspeita, é mais fácil obtê-la em distritos como Santarém. Embalados por essa percepção, diz Manuel Solla, alguns imigrantes terão decidido voltar as costas ao Porto.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nega que os seus serviços na cidade apliquem "eventuais critérios mais apertados na regularização de imigrantes". A sua actuação é pautada, afiança aquele organismo público, "pela rigorosa e uniforme aplicação nacional das disposições previstas na lei de estrangeiros".

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Instituto Nacional de Estatística (INE) desenvolveram em 1997 um projecto informático que fazia a actualização automática da população de estrangeiros a partir dos pedidos e das cessações de Títulos de Residência. Os dados referentes ao ano 2007 ainda resultam desse sistema. "Sempre foi admitida a possibilidade de uma eventual sobreavaliação dos valores estimados a cada final de ano", explicava o SEF no seu último relatório. Porquê? Por as "cessações originadas pelas saídas definitivas de residentes estrangeiros do país serem de registo inviável". E por a estimativa não incluir as "cessações decorrentes da caducidade de títulos." A estatística de 2008 é feita com base na nova aplicação informática, que já extrai "integralmente essa informação". São, por isso, considerados mais fiáveis.

Carlos Lage relaciona a descida com a diminuição do emprego em sectores da indústria e na construção civil.

440.277
é o número de estrangeiros com permanência regular em Portugal, mais 4541 do que no ano passado

26.439
é o número de residentes estrangeiros no distrito do Porto, menos 1574 do que em 2007