por Maria José Nogueira Pinto, in Diário de Notícias
Lisboa vai a votos. Precisamos de uma equipa com inteligência, sabedoria, lucidez e coragem
Sei que Lisboa tem uma considerável percentagem de pobres. Sei que não constituem uma categoria homogénea: há-os de todos os géneros, tradicionais, novos e novíssimos. Sei que por cá existem muitos doentes pobres e pobres doentes, que a morbilidade da rua aumenta sem que ninguém a contabilize. Sei das "cidades ocultas" dentro desta Lisboa que vemos. Não tenho números actualizados apesar de se terem criado instrumentos cuja função principal é a de analisar e contabilizar esta realidade: onde está a famosa rede social de Lisboa? O que faz o Observatório de Luta contra a Pobreza na cidade de Lisboa?
Fala-se de pobreza e políticas públicas mas raramente pensamos no papel do poder autárquico nesta matéria. Em ano eleitoral é muito importante que os candidatos às câmaras incluam o tema nos seus programas, em vez de sucumbirem à tentação da obra pública, empreitadas de "modernidade" que pouco contribuem para o desenvolvimento e competitividade. Mas a opacidade da pobreza torna-a uma abstracção possível e a sua natureza triste impede-a de competir com a visibilidade impactante de um túnel…
Não há pobreza que possa ser resolvida com pacotes governamentais. É o que podemos concluir em Portugal ao fim de quase duas décadas de esforços malsucedidos, programas com baixíssimos níveis de eficiência e uma cultura de subsídio-dependência aviltante. O Estado não tem capacidade ou vocação para um trabalho a nível micro, o que leva a que os recursos, humanos e financeiros, se esgotem no combate aos efeitos, deixando as causas por erradicar.
O gestor da cidade tem hoje um papel decisivo. Um mau urbanismo é o maior factor de cristalização das desigualdades, alimentando uma ininterrupta renovação geracional da pobreza e da exclusão. Tanto mais quanto as sociedades modernas sofreram profundas mutações que alteraram negativamente a própria sociabilidade: a reconfiguração do modo de estarmos juntos; a transformação da percepção do espaço e do tempo (tudo chega sem que seja necessário partir); uma nova matriz de ordem urbana na qual os cidadãos circulam mas já não se encontram, estão comunicáveis mas não se reúnem…
Há que inovar face a modelos de intervenção esgotados, promover abordagens interdisciplinares, construir redes de proximidade às pessoas, aos problemas e às suas causas e estabelecer parcerias com o terceiro sector que assegurem a continuidade e sustentabilidade da intervenção. E ter uma percepção clara de outros fenómenos que requerem outras respostas: as novas doenças, o envelhecimento demográfico, a imigração e as dificuldades associadas aos processos de integração, a info-exclusão, etc.
Estes grupos têm, à partida, um factor ambiental e espacial negativo por se inserirem em comunidades marginais com tendência para a guetização, sediadas em territórios urbanos degradados e especialmente segregados. São as chamadas "armadilhas de desigualdade" cujo resultado é o da falta de mobilidade intergeracional.
Tal como se evoluiu do conceito da reabilitação urbana para o de revitalização urbana, com intervenções específicas e interdisciplinares a nível dos chamados territórios deprimidos e de zonas urbanas desertificadas - como os cascos históricos com população idosa e isolada - também a experiência das últimas décadas em matéria de realojamento demonstraram a necessidade de conjugar construção de habitação (que só por si não constitui uma política) com objectivos de inclusão social, só possível através da disseminação de grupos populacionais mais problemáticos por zonas urbanas consolidadas versus a sua concentração periférica. E se antes se podia ignorar a importância da saúde urbana ou fazer tábua rasa do objectivo cidade saudável, hoje já não.
Lisboa vai a votos. Precisamos de uma equipa com inteligência, sabedoria, lucidez e coragem. Porque vai ser preciso fazer, desfazer e refazer, com prudência e responsabilidade. Isto não é a Disneylândia.