por João Marcelino, in Diário de Notícias
Gostaria também de visitar alguns temas da actualidade internacional consigo. Tem acusado os líderes europeus de falta de visão. Desiludiu-o o discurso de Durão Barroso sobre o estado da União?
Desiludiu. O discurso, realmente, acabou por ser um flop. Eu escrevi isso. Foi difícil ter os deputados lá, não teve o presidente do Conselho Europeu. O Rompuy não esteve lá, o que é significativíssimo, o presidente da União não estar presente. Não esteve a senhora comissária para as relações internacionais, que tinha de lá ter estado…
Tudo isso tem leitura política?
Tudo isso tem leitura política e tudo isso é mau. E, depois, ele não tinha grandes coisas a dizer. Mas também posso dizer que gostei daquilo que fez o Durão Barroso de uma forma muito clara, condenando o Sarkozy e a França por aquela vergonha de expulsar a etnia cigana. Isso foi uma coisa boa que ele fez, temos de encarar. Procuro ser imparcial, não estou aqui a fazer política partidária.
Em relação à União Europeia, olha com apreensão para o evoluir do projecto europeu?
Eu olho com apreensão para a circunstância de os grandes países terem feito um directório. Finalmente, neste momento, existe um certo desaguisado entre a França e a Alemanha. Isso não é bom em relação ao futuro, mas neste momento é bom que eles se afastem um pouco. Eles tinham a tendência - os dois maiores países - a resolver as coisas e depois os outros tinham de seguir. Não pode ser assim! A União é feita de países que são iguais, quer sejam grandes quer sejam pequenos, e devem ter a mesma força na Europa. O que vejo é que os principais países europeus, e mesmo alguns menos importantes ou que são considerados menos importantes ou cujas vozes são menos ouvidas, têm estado sem estratégia. Acho que a falta de estratégia na Europa é uma coisa gravíssima, porque vai fazer com que a Europa entre em decadência num mundo em que os países emergentes estão a avançar com uma força extraordinária.
Tem que ver com um alargamento muito rápido da própria União Europeia?
Claro que sim. E foi um alargamento feito para evitar o aprofundamento institucional que era preciso fazer no sentido do federalismo. Esse é o meu ponto de vista, claro.
Antes das presidenciais portuguesas, o Brasil também vai escolher novo presidente. Dilma Rousseff está à frente nas sondagens. Que impacto terá a sua eleição nas relações Portugal-Brasil?
Não vai ter impacto nenhum, porque quem está por trás da Dilma é o Lula. O Lula é um grande amigo de Portugal, penso que ela também seja, embora não a conheça pessoalmente. Conheço muito bem o Serra, mas não conheço a Dilma.
Mas acha que é apenas isso, uma extensão do Presidente Lula?
Não será uma extensão, ninguém é uma extensão. Mas o Presidente Lula tem-se empenhado como ninguém, tem feito campanha quase como se fosse ele o candidato, não é? Isso talvez possa um dia virar-se um pouco contra ele, se ela não for boa, mas ela tem dado boas provas. Conheço muito bem o José Serra, é um homem de uma inteligência enorme, de uma preparação extraordinária, excepcional mesmo. E é um homem que é um grande político, mas não é um homem que tenha carisma popular como tem o Lula, ou como têm outros. Estamos nessa fase, e nessa fase o Lula pode-se dizer que foi, e digo-o à vontade, um grande Presidente. E para Portugal foi um Presidente extraordinário.
Excedeu as suas expectativas?
Sim, sem dúvida nenhuma. De toda a gente. Embora tivesse expectativas elevadas, porque o conheço há muitos anos, ele excedeu-as de longe. E é um homem de uma simpatia fulgurante.
Está a falar em relação ao trabalho interno no Brasil ou ao protagonismo internacional?
Às duas coisas. Claro que a política internacional é muito feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, que é o Celso, e esse também é muito bom ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas costumo dizer do Lula uma coisa que não quero deixar de dizer aqui: é que o Lula é o melhor amigo de Portugal e o melhor embaixador de Portugal no mundo, porque só sabe falar português. E isso é importantíssimo! Por exemplo, o Fernando Henrique Cardoso, que é pessoa eminente, de quem sou muito amigo - fizemos um livro em conjunto -, falava francês, inglês, alemão, italiano, em toda a parte por onde andava falava a língua, nunca falava português! Eu várias vezes lhe disse: "Homem, fala português de vez em quando!" Felizmente, o Lula só sabe falar português, e isso é importantíssimo para nós.
Muito dificilmente a ONU vai conseguir alcançar em 2015 os Objectivos do Milénio, que incluem erradicar a pobreza e promover a igualdade de género. Perdeu a ONU o seu prestígio e a sua capacidade de acção ou o tempo é que é pouco para tanto?
Eu apoiei muito e fui um entusiasta dos Objectivos do Milénio. Kofi Annan foi um grande secretário-geral, só por isso fica na história das Nações Unidas. Mas a verdade é que foi um projecto que foi votado por toda a gente, mas ninguém respeitou, como sucede muitas vezes na ONU. E não basta a retórica, é preciso fazer. Nos últimos anos, o actual secretário-geral é uma pessoa que quis retomar a questão dos direitos do homem. Fiquei admirado porque houve um silêncio que foi terrível, que foi o silêncio de 2001 até agora, quando este retomou a história dos Objectivos do Milénio, porque antes não se falava nisso em parte nenhuma. Isso mudou. Mas agora está a fazer e está a insistir na luta contra a pobreza. Se eles diminuírem a pobreza e derem alguns passos nisso, já acho muito bom.
Reconhece em Barack Obama inteligência e determinação política invulgares. O que é que lhe parece que têm sido estes primeiros anos de exercício do poder de um homem cuja chegada ao poder foi tão festejada?
Foi festejada por uns e temida por outros. Eu fui dos que a festejaram, realmente. Considero-o um homem excepcional. O Barack Obama até agora, para mim, é um homem do gabarito de um Roosevelt, da II Guerra Mundial, de um Gandhi...
Está a vê-lo a resolver finalmente o conflito no Médio Oriente?
Ele tem feito coisas extraordinárias até agora, mas tem tudo contra ele, e o peso inteiro do mundo em cima, é preciso dizer isto. Toda a gente tem de saber que aquele homem está a ser atacado no seu próprio país pelos republicanos e agora pelo Tea Party, que felizmente está a criar uma grande confusão no Partido Republicano. Por outro lado, ele tem dificuldades porque os grandes interesses estão a ser atacados nos Estados Unidos. Têm uma força brutal, ele atacou- -os frontalmente. Logo, está a pagar por isso. E, depois, as questões mundiais são terríveis e ele está metido... a guerra do Iraque… Começaram a sair as tropas, muito bem, cumpriu. Mas o que é que vai ser do Iraque, o que é que vai acontecer no Iraque depois de eles não estarem lá?
Acha que a América deve assumir as suas responsabilidades?
Eu acho que a América tem responsabilidades, não quero que eles voltem para o Iraque, mas têm de ver isso, têm de pesar essa situação. Mas pior que o Iraque é o Afeganistão, que ele até agora não tinha reconhecido mas que finalmente reconheceu que também é uma coisa errada e que têm de sair de lá o mais depressa possível. São coisas úteis que ele fez. Está a tentar negociar a paz entre Israel e os palestinianos, que é o centro do conflito na região. Por tudo isto, acho que as pessoas de boa-fé e bom senso, quaisquer que sejam as suas ideologias, devem estar a favor desse homem que é realmente um humanista excepcional e um homem de uma qualidade única. Não o conheço pessoalmente nem tenciono conhecer, mas é a leitura que faço dos acontecimentos, pelo que leio e oiço.
Mediadores internacionais querem verificar o cessar-fogo da ETA - também está de acordo com isso. E à frente deste processo está um advogado que pretende que o Governo espanhol aceite uma comissão internacional. Em tempos disse que a democracia devia nalguns momentos dialogar com o terrorismo, estaria disponível para essa comissão?
Não estaria disponível por várias razões, e a primeira das quais é que sou grande amigo da Espanha e não quereria entrar numa situação dessas que tem que ver com a Espanha, com uma parte da Espanha e com a região autónoma basca. Acho que não era a pessoa indicada. Acho que tem de ser uma pessoa mais distante dos conflitos e menos próxima da Espanha.
Mantém que se deve negociar com a ETA, agora que declarou um cessar-fogo?
Não sei como é que está a situação, é extremamente difícil. Esse cessar-fogo… Já várias vezes cessaram fogo e depois retomaram. O que é necessário é ter alguma experiência. A gente do Partido Socialista basco é gente que se tem mostrado com certa independência e com certa inteligência, vamos ver no que isso dá.