26.9.10

"Lula foi extraordinário… até para Portugal"

por João Marcelino, in Diário de Notícias

Gostaria também de visitar alguns temas da actualidade internacional consigo. Tem acusado os líderes europeus de falta de visão. Desiludiu-o o discurso de Durão Barroso sobre o estado da União?

Desiludiu. O discurso, realmente, acabou por ser um flop. Eu escrevi isso. Foi difícil ter os deputados lá, não teve o presidente do Conselho Europeu. O Rompuy não esteve lá, o que é significativíssimo, o presidente da União não estar presente. Não esteve a senhora comissária para as relações internacionais, que tinha de lá ter estado…

Tudo isso tem leitura política?

Tudo isso tem leitura política e tudo isso é mau. E, depois, ele não tinha grandes coisas a dizer. Mas também posso dizer que gostei daquilo que fez o Durão Barroso de uma forma muito clara, condenando o Sarkozy e a França por aquela vergonha de expulsar a etnia cigana. Isso foi uma coisa boa que ele fez, temos de encarar. Procuro ser imparcial, não estou aqui a fazer política partidária.

Em relação à União Europeia, olha com apreensão para o evoluir do projecto europeu?

Eu olho com apreensão para a circunstância de os grandes países terem feito um directório. Finalmente, neste momento, existe um certo desaguisado entre a França e a Alemanha. Isso não é bom em relação ao futuro, mas neste momento é bom que eles se afastem um pouco. Eles tinham a tendência - os dois maiores países - a resolver as coisas e depois os outros tinham de seguir. Não pode ser assim! A União é feita de países que são iguais, quer sejam grandes quer sejam pequenos, e devem ter a mesma força na Europa. O que vejo é que os principais países europeus, e mesmo alguns menos importantes ou que são considerados menos importantes ou cujas vozes são menos ouvidas, têm estado sem estratégia. Acho que a falta de estratégia na Europa é uma coisa gravíssima, porque vai fazer com que a Europa entre em decadência num mundo em que os países emergentes estão a avançar com uma força extraordinária.

Tem que ver com um alargamento muito rápido da própria União Europeia?

Claro que sim. E foi um alargamento feito para evitar o aprofundamento institucional que era preciso fazer no sentido do federalismo. Esse é o meu ponto de vista, claro.

Antes das presidenciais portuguesas, o Brasil também vai escolher novo presidente. Dilma Rousseff está à frente nas sondagens. Que impacto terá a sua eleição nas relações Portugal-Brasil?

Não vai ter impacto nenhum, porque quem está por trás da Dilma é o Lula. O Lula é um grande amigo de Portugal, penso que ela também seja, embora não a conheça pessoalmente. Conheço muito bem o Serra, mas não conheço a Dilma.

Mas acha que é apenas isso, uma extensão do Presidente Lula?

Não será uma extensão, ninguém é uma extensão. Mas o Presidente Lula tem-se empenhado como ninguém, tem feito campanha quase como se fosse ele o candidato, não é? Isso talvez possa um dia virar-se um pouco contra ele, se ela não for boa, mas ela tem dado boas provas. Conheço muito bem o José Serra, é um homem de uma inteligência enorme, de uma preparação extraordinária, excepcional mesmo. E é um homem que é um grande político, mas não é um homem que tenha carisma popular como tem o Lula, ou como têm outros. Estamos nessa fase, e nessa fase o Lula pode-se dizer que foi, e digo-o à vontade, um grande Presidente. E para Portugal foi um Presidente extraordinário.

Excedeu as suas expectativas?

Sim, sem dúvida nenhuma. De toda a gente. Embora tivesse expectativas elevadas, porque o conheço há muitos anos, ele excedeu-as de longe. E é um homem de uma simpatia fulgurante.

Está a falar em relação ao trabalho interno no Brasil ou ao protagonismo internacional?

Às duas coisas. Claro que a política internacional é muito feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, que é o Celso, e esse também é muito bom ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas costumo dizer do Lula uma coisa que não quero deixar de dizer aqui: é que o Lula é o melhor amigo de Portugal e o melhor embaixador de Portugal no mundo, porque só sabe falar português. E isso é importantíssimo! Por exemplo, o Fernando Henrique Cardoso, que é pessoa eminente, de quem sou muito amigo - fizemos um livro em conjunto -, falava francês, inglês, alemão, italiano, em toda a parte por onde andava falava a língua, nunca falava português! Eu várias vezes lhe disse: "Homem, fala português de vez em quando!" Felizmente, o Lula só sabe falar português, e isso é importantíssimo para nós.

Muito dificilmente a ONU vai conseguir alcançar em 2015 os Objectivos do Milénio, que incluem erradicar a pobreza e promover a igualdade de género. Perdeu a ONU o seu prestígio e a sua capacidade de acção ou o tempo é que é pouco para tanto?

Eu apoiei muito e fui um entusiasta dos Objectivos do Milénio. Kofi Annan foi um grande secretário-geral, só por isso fica na história das Nações Unidas. Mas a verdade é que foi um projecto que foi votado por toda a gente, mas ninguém respeitou, como sucede muitas vezes na ONU. E não basta a retórica, é preciso fazer. Nos últimos anos, o actual secretário-geral é uma pessoa que quis retomar a questão dos direitos do homem. Fiquei admirado porque houve um silêncio que foi terrível, que foi o silêncio de 2001 até agora, quando este retomou a história dos Objectivos do Milénio, porque antes não se falava nisso em parte nenhuma. Isso mudou. Mas agora está a fazer e está a insistir na luta contra a pobreza. Se eles diminuírem a pobreza e derem alguns passos nisso, já acho muito bom.

Reconhece em Barack Obama inteligência e determinação política invulgares. O que é que lhe parece que têm sido estes primeiros anos de exercício do poder de um homem cuja chegada ao poder foi tão festejada?

Foi festejada por uns e temida por outros. Eu fui dos que a festejaram, realmente. Considero-o um homem excepcional. O Barack Obama até agora, para mim, é um homem do gabarito de um Roosevelt, da II Guerra Mundial, de um Gandhi...

Está a vê-lo a resolver finalmente o conflito no Médio Oriente?

Ele tem feito coisas extraordinárias até agora, mas tem tudo contra ele, e o peso inteiro do mundo em cima, é preciso dizer isto. Toda a gente tem de saber que aquele homem está a ser atacado no seu próprio país pelos republicanos e agora pelo Tea Party, que felizmente está a criar uma grande confusão no Partido Republicano. Por outro lado, ele tem dificuldades porque os grandes interesses estão a ser atacados nos Estados Unidos. Têm uma força brutal, ele atacou- -os frontalmente. Logo, está a pagar por isso. E, depois, as questões mundiais são terríveis e ele está metido... a guerra do Iraque… Começaram a sair as tropas, muito bem, cumpriu. Mas o que é que vai ser do Iraque, o que é que vai acontecer no Iraque depois de eles não estarem lá?

Acha que a América deve assumir as suas responsabilidades?

Eu acho que a América tem responsabilidades, não quero que eles voltem para o Iraque, mas têm de ver isso, têm de pesar essa situação. Mas pior que o Iraque é o Afeganistão, que ele até agora não tinha reconhecido mas que finalmente reconheceu que também é uma coisa errada e que têm de sair de lá o mais depressa possível. São coisas úteis que ele fez. Está a tentar negociar a paz entre Israel e os palestinianos, que é o centro do conflito na região. Por tudo isto, acho que as pessoas de boa-fé e bom senso, quaisquer que sejam as suas ideologias, devem estar a favor desse homem que é realmente um humanista excepcional e um homem de uma qualidade única. Não o conheço pessoalmente nem tenciono conhecer, mas é a leitura que faço dos acontecimentos, pelo que leio e oiço.

Mediadores internacionais querem verificar o cessar-fogo da ETA - também está de acordo com isso. E à frente deste processo está um advogado que pretende que o Governo espanhol aceite uma comissão internacional. Em tempos disse que a democracia devia nalguns momentos dialogar com o terrorismo, estaria disponível para essa comissão?

Não estaria disponível por várias razões, e a primeira das quais é que sou grande amigo da Espanha e não quereria entrar numa situação dessas que tem que ver com a Espanha, com uma parte da Espanha e com a região autónoma basca. Acho que não era a pessoa indicada. Acho que tem de ser uma pessoa mais distante dos conflitos e menos próxima da Espanha.

Mantém que se deve negociar com a ETA, agora que declarou um cessar-fogo?

Não sei como é que está a situação, é extremamente difícil. Esse cessar-fogo… Já várias vezes cessaram fogo e depois retomaram. O que é necessário é ter alguma experiência. A gente do Partido Socialista basco é gente que se tem mostrado com certa independência e com certa inteligência, vamos ver no que isso dá.