por Patrícia Jesus, in Diário de Notícias
Farmácias queixam-se que política do medicamento ameaça sobrevivência do sector
É já na próxima semana que entra em vigor o novo regime de comparticipação dos medicamentos que vai fazer com que os utentes passem a pagar quase o dobro por alguns dos remédios mais vendidos. A portaria com as alterações à lei foi publicada na sexta-feira com a indicação de que entra em vigor já a 1 de Outubro, mais cedo do que era esperado, já que o ministério tinha dito que ainda seria discutida com os parceiros do sector. Ou seja, no mesmo dia em que o preço dos medicamentos desce 6%, na prática, muitos utentes vão passar a pagar mais na farmácia.
Há três grupos de substâncias que mudam de escalão - do B para o C - e deixam de ser comparticipados a 69%: os antiácidos, antiulcerosos e anti-inflamatórios não esteróides. Entre estes estão medicamentos como o omeprazol, para as úlceras de estômago, ou o ibuprofeno, usado para dores de cabeça, dentes, etc. Nestes casos, o utente paga actualmente 31% da factura e o Estado o restante. A partir da próxima semana passa a pagar 63%, mais do dobro.
Os exemplos dados pela Autoridade Nacional do Medicamento deixam bem claro como esta alteração vai afectar a carteira dos doentes: no caso do omeoprazol, o Estado paga 22 dos 31,89 euros e o utente os restantes 9, 89; a partir de 1 de Outubro o preço do medicamento desce 6%, mas o uten- te passa a pagar 18,89 euros, enquanto o Estado suporta o restante, poupando cerca de 11 euros.
Por outro lado, os números das vendas mostram que esta alteração vai afectar muitos doentes: no último ano foram vendidos mais de 35 milhões de embalagens destes remédios, uma percentagem importante do total de 250 milhões comercializados no mesmo período.
No conjunto, com estas e as outras medidas anunciadas - como o fim da comparticipação a 100% - a ministra da Saúde espera que a poupança chegue a 250 milhões.
Mas se o Estado tenciona poupar, as farmácias consideram a descida de 6% incomportável. Para João Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF), ameaça mesmo a sobrevivência do sector. Segundo números da ANF, há 375 farmácias com os fornecimentos suspensos pelos grossistas e 168 em tribunal por causa de dívidas. Outras 497 já acordaram planos para regularizar as contas com os fornecedores.
João Cordeiro argumenta que as descidas de preços decretadas pelo Governo nos últimos anos não têm tido efeito na redução da despesa do SNS com medicamentos, já que esta continua a aumentar. Ainda segundo as contas da associação, 96% do crescimento da despesa do SNS em 2010 deveu-se a quatro medidas políticas, incluindo novas comparticipações.
O responsável considerou que estas descidas de preço são "imorais": "O Governo reduz os preços que ele próprio aprovou, violando a metodologia em vigor. Aprova a metodologia, aprova os preços, adquire os medicamentos e quando quer pagar menos reduz unilateralmente os preços aos fornecedores."
A ANF já pediu, como o DN avançou no domingo, uma reunião urgente com o primeiro-ministro, José Sócrates. E João Cordeiro está convicto que o governante vai ser sensível aos seus argumentos. "Não podemos fechar portas, ou emigrar, por isso temos de continuar a resistir e tentar dialogar com o Governo, os partidos, a Comissão de Saúde", disse ao DN. Mas não duvida que a indústria farmacêutica vai encontrar "esquemas" para superar mais esta descida, nomeadamente retirar os medicamentos mais baratos do mercado e aumentar a exportação de medicamentos.