21.9.10

Pressão dos mercados atinge novo máximo mas despesa mantém-se acima do previsto

Por Sérgio Aníbal e Rosa Soares, in Jornal Público

As taxas de juro que são exigidas para emprestar dinheiro ao Estado português atingiram o mesmo nível de Maio, quando o Governo foi forçado a anunciar novas medidas de austeridade


No dia em que a pressão dos mercados internacionais sobre a dívida pública portuguesa atingiu o nível mais elevado de sempre, o Governo apresentou números da execução orçamental que continuam a mostrar uma evolução da despesa pública que torna difícil o cumprimento do objectivo do défice para este ano.

No boletim de execução orçamental publicado ontem pela Direcção-Geral do Orçamento para os primeiros oito meses de 2010, o Governo fez questão de salientar que o ritmo de crescimento da despesa total no subsector Estado está a baixar e que é agora, face ao mesmo período do ano anterior, de 2,7 por cento, o valor que estava previsto no orçamento. Além disso, tanto a receita fiscal do Estado como o saldo da Segurança Social (ver texto na página seguinte) estão acima do orçamentado.

No entanto, apesar da tendência ser, face aos meses anteriores, de ligeira melhoria, estes números, só por si, podem não chegar para que, mantendo-se a mesma tendência durante o último terço do ano, se atinja o défice público de 7,3 por cento prometido a Bruxelas. O problema é que os números inscritos no OE foram decididos numa altura em que o défice projectado era de 8,3 por cento, ou seja, antes do Governo se ver forçado, em acordo com o PSD, a anunciar novas medidas de austeridade no documento que ficou conhecido como PEC II. E, se se olhar com atenção para as várias componentes da despesa do Estado, chega-se ainda à conclusão de que a contribuir decisivamente para que a despesa total do Estado cresça apenas 2,7 por cento está um calendário anual até agora mais favorável no pagamento de juros (que se inverterá na parte final do ano). A despesa primária (aquela que não inclui juros e que por isso pode dar uma indicação mais fiável da evolução orçamental) cresceu até Agosto a uma taxa de 4,1 por cento, ou seja, bastante acima dos 1,9 por cento que eram projectados no Orçamento.

Entre as despesas que estão a ficar claramente acima do projectado estão as despesas com pessoal, que, no subsector Estado, estão a crescer a uma taxa de 1,7 por cento, quando no OE se apontava para um corte de 4,9 por cento. De acordo com o Ministério das Finanças, esta derrapagem deve-se ao "impacto orçamental associado à implementação dos novos sistemas remuneratórios das forças de segurança e dos militares, às alterações de posições remuneratórias de docentes do ensino não-superior e à contratação extraordinária de pessoal a termo e em regime de tarefa ou avença pelo Instituto Nacional de Estatística (para a preparação dos Censos 2011)".

Paulo Trigo Pereira, professor do ISEG, especialista em Finanças Públicas, não está optimista em relação à evolução dos números do Orçamento, constatando que, "em comparação com os valores homólogos, o défice orçamental das administrações públicas só se reduz 65,9 milhões de euros, ou seja, praticamente nada". Por isso, conclui, "o défice das administrações só ficará abaixo dos nove por cento do PIB com medidas extraordinárias do lado da receita e da despesa, incluindo os cortes das cativações". "Não houve consolidação orçamental significativa e as medidas do PEC II são claramente insuficientes para se alcançar o objectivo dos 7,3 por cento do PIB", afirma, defendendo a intervenção do Presidente da República para criar condições para um acordo político para a redução da despesa pública.

Mercados desconfiados

Estes números surgem numa altura em que os mercados estão a exigir, mais do que nunca, indicadores convincentes de controlo orçamental em Portugal. O diferencial das taxas de juro exigidas pelos investidores internacionais para comprar Obrigações do Tesouro (OT) a 10 anos face às das suas congéneres alemãs atingiu ontem o valor mais alto desde a criação do euro. O denominado spread atingiu 392,5 pontos-base, quando estava em 330,8 pontos no início do mês e em 77 pontos no início do corrente ano.

Estes valores são já superiores aos registados em Maio, quando o Governo se viu obrigado, para responder à pressão dos mercados, a apresentar novas medidas de austeridade.

Os juros das OT a 10 anos, no mercado secundário, atingiram ontem os 6,4 por cento, o mesmo nível do pico da crise da dívida, a 7 de Maio. Desde o início de Setembro, este indicador, fundamental para aferir a capacidade do Estado português obter financiamento a custos sustentáveis, já subiu 0,93 pontos percentuais. Isto faz com que Portugal seja, entre os países da zona euro, aquele em que o agravamento das taxas foi mais significativo durante os últimos 20 dias, voltando a aproximar-se do nível da Irlanda e afastando-se claramente da Espanha.

Amanhã, com uma nova emissão de títulos de obrigações do Tesouro, Portugal enfrenta mais um dia decisivo. Até agora tem conseguido, de forma clara, encontrar procura suficiente para a sua dívida nos mercados, mas suportando, nas últimas semanas, taxas de juro cada vez mais elevadas.