30.9.10

A recente pobreza

João César das Neves, in Fátima Missionária

Portugal está em crise e a pobreza aumenta fortemente. Ainda não há dados oficiais que definam os contornos, mas todos os indicadores mostram a gravidade


Não só o desemprego chegou ao máximo da história nacional, com quase 600 mil pessoas mas, além dos 71 mil inactivos disponíveis que, desanimados na busca de emprego, não contam nas estatísticas, ainda há quase 900 mil trabalhadores sem contrato permanente. O total representa milhão e meio, 28 por cento da população activa, que pretende emprego estável sem conseguir.

Além disso existe o fenómeno da pobreza trabalhadora. É que, graças aos mecanismos sociais, muitos idosos, doentes, crianças e outros grupos de risco conseguem algum acesso ao apoio e evitam situações que antes eram de pobreza extrema. Isso torna mais visível o caso dos trabalhadores em carência. A questão foi potenciada na última década por grande aumento da população imigrante que, muitas vezes desenquadrada, sem direitos nem protecção, é alvo fácil de exploração.

Foi para confrontar situações destas que se montaram os sistemas sociais e, em tempos de crise, eles tornam-se mais activos e relevantes. Mas é precisamente aqui que têm surgido graves obstáculos, que negam na prática este princípio elementar.

As razões deste terrível resultado são duas. Em primeiro lugar a crise está intimamente ligada a problemas orçamentais. Se, devido à situação financeira que gerou a recessão, é indispensável que o governo corte nas suas despesas, os mecanismos sociais ficam espartilhados logo no momento em que mais ágeis deviam ser. Claro que as despesas públicas são muito vastas. Com um orçamento igual a metade do produto nacional, porque há-de ser nos gastos com os pobres que se fazem as poupanças? O mais elementar bom senso recomendaria que essas fatias fossem aumentadas, não reduzidas. Mas aqui entra em funcionamento uma segunda causa, bastante mais sinistra. É que o estado social tem sido, em grande medida, a causa da injustiça em Portugal.

De facto, nas últimas décadas os poderes públicos foram capturados por grupos de interesse, que canalizaram para si os meios do Estado. Sabemos quem são esses, porque os ouvimos a defender a cada momento os seus direitos adquiridos. Aliás essa é a origem da crise, pois tais direitos criaram a dívida que esmaga a nossa credibilidade externa. Esses não têm sentido os cortes que recaem no estado social.

Com a crise a doer e os poderes públicos manietados, a única resposta vem da Igreja. Hoje, como sempre, é na presença de Cristo pelos seus santos, que os pobres encontram alívio. Não devemos tomar isto com amargura, desencanto ou revolta, mas na confiança que isto mostra que «Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a eternidade» (Hb 13, 8).