in Agência Ecclesia
Polémica com populações ciganas em França levanta questões sobre o futuro da UE
O conflito em torno da deportação de ciganos em França vem deixar interrogações fundamentais para a União Europeia e para a sociedade em geral, defende José Coutinho da Silva.
“Como é que a sociedade poderá criar um espaço em que todos os seus cidadãos se possam desenvolver?” pergunta o português, antigo director do Serviço da Pastoral das Migrações (SPM) da Conferência Episcopal Francesa, em entrevista à agência ECCLESIA.
Uma interrogação que precisa de respostas urgentes, quando os últimos dados indicam, a título de exemplo, que todos os anos cerca de 170 mil imigrantes chegam a França e se estabelecem naquele país.
Em finais de Julho, o presidente francês Nicolas Sarkozy decidiu desmantelar, num prazo de 3 meses, cerca de metade dos acampamentos ilegais de ciganos existentes em França e enviar essas populações de volta para os seus países.
A medida foi sobretudo imposta contra a etnia cigana Rom, que tem origem na Roménia e na Bulgária.
Profundo conhecedor da realidade daquelas pessoas, José Coutinho da Silva fala de um povo “desprezado no seu próprio país, que durante décadas foi obrigado a viver à margem da sociedade, na altura em que vigoravam os regimes repressivos no Leste da Europa”.
“Em França, a maioria vive sem qualquer tipo de assistência ou condições de higiene, em barracas ou atrelados esburacados, sem emprego nem perspectivas de futuro”, acrescenta.
O governo francês estabelece que quem não tenha trabalho ou domicílio fixo há mais de três meses torna-se, à luz da lei, imigrante ilegal, com ordem de expulsão.“A Roménia ainda sofre de restrições no que diz respeito ao livre acesso ao trabalho, na Europa, o que faz com que muitos romenos, incluindo os ciganos da comunidade Rom, ainda vivam na precariedade”, refere José Coutinho da Silva, que representou os bispos franceses, em matérias de migração, durante mais de duas décadas.
Agora que a União Europeia começou as negociações tendo em vista a integração da Roménia no Espaço Schengen (espaço europeu de livre circulação), a questão dos Rom não pode ser ignorada.
“Trata-se de um povo com muitos milhões de pessoas, que têm de ser reconhecidas como cidadãos normais”, indica José da Silva.
A Conferência Episcopal optou por reagir fortemente contra a actuação do governo, defendendo a dignidade e os direitos de todos os seres humanos, e preservando a família como aspecto fundamental de integração social.
“A Igreja francesa não se tem encolhido”, realça o português, “e tem tido uma atitude muito responsável, inclusivamente na resposta aos desafios propostos por membros do governo, que queriam reflectir com os bispos sobre estas matérias”.
José Coutinho da Silva considera que a actuação do governo francês, em matéria de imigração, tem uma origem fortemente política.
“Há uma tentativa de tranquilizar uma parte da opinião pública, por causa das próximas eleições”, refere, lembrando ainda que “os aspectos, ligados à imigração, à violência, à insegurança, são sobretudo terrenos de interesse da Frente Nacional, partido da extrema-direita francesa, e o governo está a procurar retirar-lhes margem de manobra”.
No último dia 23 foi aprovado no Parlamento Francês um projecto-lei sobre o controlo à imigração, que inclui, entre outras regras, a instituição de um sistema de testes de ADN para autorizar o reagrupamento familiar e a restrição do direito de asilo concedido às populações estrangeiras.
Esta Segunda-feira, dia 27, a Assembleia Nacional francesa inicia a discussão de uma alteração ao Código Civil que prevê a retirada de nacionalidade aos autores de crimes contra agentes da autoridade.