Alexandra Prado Coelho (texto) e Miguel Manso (fotografia), in Público on-line
Todos os dias, em milhares de restaurantes por todo o país, toneladas de alimentos em perfeito estado iam parar ao lixo. Até que surgiu a pergunta: tem mesmo que ser assim? A ASAE esclareceu que não, que as regras existentes permitem a doação da comida que sobra. Tudo começou há três anos, com o Zero Desperdício e a Refood. Hoje, o movimento não pára de crescer, em número de núcleos, voluntários e beneficiários. Mas a ambição é ainda muito maior.
Faltam poucos minutos para as seis da tarde e chove a potes. A porta amarela da associação Refood está fechada a cadeado, e não se vê ninguém nestas traseiras da Igreja de Fátima, junto à Avenida de Berna, em Lisboa. Parece que nada vai acontecer. Até que chega uma senhora, que pergunta se ainda ninguém abriu a porta. Não, respondemos, até agora ninguém.
Passam alguns minutos e aparece a responsável, que traz a chave. A porta abre-se, e, agitando chapéus-de-chuva e sacudindo capas encharcadas, os voluntários começam a materializar-se. Às seis e meia o lugar está irreconhecível, cheio de gente que, liberta de casacos e malas, começa o trabalho. Percebe-se que há uma máquina bem oleada, e que cada um sabe exactamente o que tem que fazer.
Este foi o primeiro núcleo da Refood, a associação criada em 2011 por Hunter Halder, o norte-americano a viver em Portugal há 20 anos e que um dia se perguntou porque é que havia gente com fome e restaurantes a deitar fora comida, e decidiu fazer alguma coisa em relação a isso. Hunter combinou encontrar-se com a Revista 2 neste local, mas enquanto ele não chega vamos tentando perceber como se organizam as coisas por aqui.
Os voluntários, que trabalham cada um duas horas por semana e geralmente têm dias fixos, dividem-se em equipas. Em breve vão chegar os que irão fazer a recolha nos cafés e pastelarias (a primeira ronda é nos locais que fecham entre as 19h e as 20h, a segunda, mais tarde, é pelos restaurantes). Os que chegaram primeiro são os que estão encarregues da organização da comida recebida. Nas paredes há quadros com os nomes e número de adultos e crianças de cada família beneficiária que há-de vir buscar os sacos.
Os voluntários já conhecem bem os hábitos de cada um, e recentemente começaram mesmo a anotar o que levou cada família nos dias anteriores, para não haver repetição. Uma das voluntárias explica que, nesta zona de Lisboa, recolhem-se muitas sobras de comida dos buffets chineses, por exemplo, e que é preciso ter o cuidado de não mandar comida chinesa para a mesma família todos os dias. Assim, atentos a estas coisas, vão enchendo caixas com sopa, um prato principal, pão, bolos. Os sacos vão-se alinhando, com os números respectivos, num banco corrido junto à entrada.
Como a recolha ainda não começou, as primeiras refeições são preparadas com o que se recolheu nos restaurantes na madrugada anterior, e que ficou guardado nos frigoríficos da Refood, sempre com uma etiqueta colorida que identifica o dia. No meio desta azáfama chega Hunter, bem disposto, armado com o seu computador, e o inevitável chapéu branco que fez dele, como o próprio diz, uma “figura icónica”.
Se calhar, a Refood não seria o sucesso que é hoje se Hunter não fosse Hunter. Assim, quem resistiria à história de um americano de chapéu branco montado numa bicicleta a recolher a comida que sobrava nos restaurantes da sua zona e a dá-la a quem precisava dela? Bom, os jornais, as revistas e as televisões não resistiram. Mas no início, quando a “figura icónica” começou a bater às portas, nem tudo foi assim tão fácil.
“Comecei a estudar a zona e encontrei 285 potenciais doadores”, conta. “Pensei ‘como vou fazer isto, de bicicleta?’ Não vou. Então comecei a cortar, a reduzir o tamanho da área, mas ainda não era possível e cortei mais, até que fiquei com sete quarteirões e 45 fontes de alimentos. Vi as horas de fecho, dividi em dois turnos, e disse ‘é possível’”.
Só depois começou a contactar os cafés e restaurantes. Dos 45, 30 acabaram por dizer que sim. ??Primeiro falei com o Carlos, da pastelaria em frente a minha casa, e perguntei ‘olha lá, ao fim do dia tens coisas que sobram, que vão para o lixo?’, ele disse que tinha muito pouco, sopa, pão, alguns bolos, mas nunca sobras do almoço. E eu disse ‘se passar aqui ao fim do dia, dás-me o que sobra?’, ele disse que sim mas que era pouco.” Conquistada a primeira porta, seguiu para as outras. “Há sempre objecções, porque é uma mudança e ninguém gosta de mudanças, é preciso ser-se chato e persistente, e eu sou as duas coisas”. Dá uma gargalhada. Muitos argumentavam que sobrava pouco e que não valia a pena. Mas Hunter não se deixava convencer. “Vale a pena sim senhor, a gente só quer mesmo a comida que vai para o lixo, e se passarmos ao final do dia e não tiver nada, parabéns, é porque vendeu tudo.” No final, os tais 30 deixaram-se convencer.
Hunter Halde, o fundador da Refood, no núcleo inicial, na Igreja de Fátima
Depois foi à Igreja, falou com o prior, perguntou se distribuíam comida a quem precisava e se tinham suficiente. O prior disse que nem sempre chegava e que aceitava a que ele trouxesse, mas no início não quis que o americano do chapéu instalasse frigoríficos nas instalações da igreja. E, por isso, as coisas começaram de uma forma um pouco louca. Hunter pegava na bicicleta, fazia a primeira ronda pelos cafés, e distribuía essa comida por um núcleo de famílias. Quando terminava estava na altura de começar a segunda ronda, agora pelos restaurantes. No final, pela meia-noite, era preciso voltar para casa, levar pelas escadas acima a comida recolhida, guardar no seu frigorífico, para no dia seguinte trazê-la para baixo outra vez, voltar a pô-la na bicicleta e levá-la à igreja. “Era muito chato e estúpido. Eu olhava para as caixas e pensava ‘já vi esta comida ontem’.” Mas ao fim de um mês, o prior deixou instalar os frigoríficos na igreja e as coisas melhoraram muito.
Entretanto, o núcleo inicial do Refood (o nome foi uma ideia do filho de Hunter, Christopher Halder, co-fundador) começou a crescer. Ao fim de seis meses havia 30 voluntários a percorrer os sete quarteirões, e o projecto já começava a chamar a atenção. Mas o grande salto aconteceu quando ganhou o prémio Voluntariado Jovem do Montepio, no valor de 25 mil euros. “Sabia que com o prémio vinha a atenção da comunicação social”, afirma Hunter. “Mas não sabia era que não parava. Vinham de todo o lado, da Alemanha, de Espanha, e até hoje não parou.”
Interrompemos a conversa para sairmos para a rua, acompanhando Miguel e Henrique, dois alunos do Instituto Superior Técnico, vindos de fora de Lisboa, e que procuravam alguma coisa útil para fazer quando alguém lhes falou no Refood. Capas para a chuva, sacos isotérmicos, um chapéu-de-chuva, e avançamos para o meio do dilúvio, percorrendo, a passo quase de corrida, as ruas em torno da Igreja de Fátima.
Os cafés estão quase a fechar as portas, e já têm as coisas prontas para os voluntários: geralmente sobra um pouco de sopa, às vezes alguma comida dos pratos do dia, mas sempre alguns bolos e pão. O processo é fácil e rápido. Miguel e Henrique tiram do carrinho isotérmico os recipientes, os donos dos cafés enchem-nos de comida, eles voltam a guardá-los, despedem-se e seguem caminho.
Muitas pessoas têm uma ideia do voluntariado que é idealizada. Voluntariado é trabalho
Com a primeira ronda concluída, voltamos às instalações da Refood, onde à porta já há uma pequena fila de pessoas que vêm buscar os seus sacos com o jantar para aquela noite. A um canto, junto a umas caixas coloridas, Hunter continua a trabalhar no computador. Agora a sua vida é isto: organizar, organizar, pensar no crescimento do projecto. O segundo núcleo a aparecer foi o de Telheiras, em Janeiro de 2013, e desde então já surgiram mais quatro e estão a abrir outros dois, todos em Lisboa.
No computador de Hunter podemos assistir ao que, espera o fundador, será o futuro da Refood: as bolinhas vão-se multiplicando, assinalando o aparecimento de novos núcleos, também já noutros pontos do país. “Há várias equipas no terreno a preparar os núcleos, mas é um processo que demora uns nove meses, para identificar todos os potenciais doadores, os potenciais beneficiários, trabalhando com os agentes sociais que já estão no terreno, evitando que haja duplicações, e procurando um lugar para a sede do núcleo.”
Todo o trabalho é feito por voluntários, se bem que haja uma diferença entre os que vão apenas duas horas por semana, e não têm outra responsabilidade, e os que estão disponíveis para dedicar mais algum tempo, os chamados voluntários-gestores. A boa vontade é sempre imensa e é, diz Hunter, “o maior recurso do Refood”, mas é preciso ser realista. “Muitas pessoas têm uma ideia do voluntariado que é idealizada. Voluntariado é trabalho.” Por isso, há quem venha e rapidamente desista. “Temos que ter um sistema flexível e aceitar as pessoas como elas são.” Mas há um compromisso: quem desistir ou quem tiver que faltar um dia tem que avisar para que os membros da equipa encontrem alternativas.
“Lisboa tem 10 mil restaurantes. Neste momento cobrimos à volta de 500. É um trabalho enorme”, diz Hunter. “Queremos cobrir toda a cidade. E depois vamos lançar uma campanha de sensibilização para dizer às pessoas que, se tiverem comida que tenha sobrado, a podem entregar no centro Refood mais próximo delas, em vez de a deitar fora.”
Todo o trabalho é feito por voluntários, mas há os que vão apenas duas horas por semana e os que estão disponíveis mais tempo, os chamados voluntários-gestores
Quem aderiu com entusiasmo e logo desde o início ao desafio de Hunter foi Marco Pereira, do restaurante Laurentina — O Rei do Bacalhau: “O Hunter andava aí pelo bairro na bicicleta, falava, falava, na altura o projecto era só uma ideia, com um óptimo nome”. Mas para o Laurentina fazia todo o sentido. “O meu pai [António Monteiro, o fundador do restaurante, recentemente falecido] era muito católico, e quando ia à missa costumava dizer às pessoas que lá estavam a pedir para no final da noite aparecerem no restaurante. Elas vinham a partir das onze horas, e nós dávamos-lhes as sobras. No fundo era um Refood, mas mais pequenino.”
Conversamos precisamente num final de noite, enquanto a equipa do Laurentina limpa a cozinha depois de terminado o serviço. Num canto, arrumados, estão alguns tachos e tabuleiros com batatas assadas, batatas cozidas, uma panela com sopa, e uma travessa com pastéis de bacalhau, que são servidos como entrada a todos os clientes e que por isso “sobram sempre” — em breve chegarão duas voluntárias da Refood para recolher estes alimentos. O processo não tem qualquer dificuldade para os funcionários, diz Marco. “Em vez de deitarem fora, põem de lado”.
Mesmo assim não se evita totalmente o desperdício. O que é doado não são restos, são sobras que nunca chegam a ser servidas. Ao fundo da cozinha vão chegando os pratos que trazem, esses sim, os restos que os clientes não comeram e que vão para o caixote do lixo. “Está a ver aquele balde de lixo para onde estão a deitar o que vem nos pratos? Leva 50 litros e é despejado duas vezes por dia, o que significa que, apesar de tudo, deitamos o equivalente a 100 quilos para o lixo diariamente.” Não é possível reduzir um pouco as doses? “Já tentámos, mas num restaurante de cozinha tradicional portuguesa como é o nosso é muito difícil.”
E a segurança alimentar, no meio de tudo isto? Para falarmos das regras que enquadram a doação de alimentos temos que falar de outra iniciativa que, não trabalhando no terreno da mesma forma que a Refood, ajudou a criar as condições para que tudo isto possa acontecer, estabelecendo parcerias entre as empresas doadoras e as instituições de solidariedade que recolhem os alimentos. Trata-se da Dariacordar, criada em Janeiro de 2011, e do movimento Zero Desperdício, lançado em Abril de 2012. Aliás, tudo começou por aqui, por António Costa Pereira, comandante da TAP, e a sua petição contra o desperdício alimentar.
Lisboa tem 10 mil restaurantes. Neste momento cobrimos à volta de 500. É um trabalho enorme”, diz Hunter. “Queremos cobrir toda a cidade
A questão que surge sempre nesta história é: como é que não nos lembrámos disto antes? Mas, explica Paula Policarpo, da Dariacordar, existia um “mito urbano” segundo o qual as regras para a doação de alimentos eram extremamente restritivas e qualquer restaurante que o tentasse poderia ter problemas com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). “A lei é muito complexa, e quando as directivas comunitárias entraram em vigor as empresas de higiene e segurança alimentar fizeram uma interpretação muito restritiva”, explica. “Mas, no fundo, o que a lei faz é responsabilizar cada um dos operadores. Nós trabalhámos com a ASAE para construir as linhas de orientação para a doação deste tipo de comida, imaginando todos os cenários, definindo como se acondiciona, como se transporta, como é recolhida, como deve ser entregue e consumida. Quando um operador tinha dúvidas, perguntava e nós enviávamos a pergunta à ASAE, que esclarecia.”
Foi essa, aliás, a primeira iniciativa de António Costa Pereira: ligar para a ASAE e perguntar porque é que era tão difícil doar comida. Não é, foi a resposta que teve. E assim, a passo e passo, foi-se começando a derrubar o tal “mito urbano”.
A Revista 2 contactou também Pedro Portugal Gaspar, inspector-geral da ASAE, para tentar perceber se alguma coisa mudou ou se era, de facto, apenas uma questão de interpretação. “Nada mudou, houve apenas uma dificuldade de interpretação legal pelas entidades envolvidas”, respondeu o responsável, por email. “A legislação em vigor é muito generalista e tem que ser interpretada face à actividade em causa. A ASAE ajudou a fazer essa interpretação, colaborando na elaboração de procedimentos de boas práticas.” Por isso, confirma Pedro Portugal Gaspar, actualmente existe disponível informação suficiente para que quem queria doar alimentos o possa fazer sem recear vir a ter problemas com a ASAE.
O facto de estar a aumentar muito o número de iniciativas destinadas à recuperação de alimentos que de outra forma iriam parar ao lixo não constitui um problema nem levou a um aumento do número de inspecções, garante o inspector-geral. “A ASAE prossegue com a actividade normalmente e inspecciona restaurantes e outras actividades dentro do seu plano de inspecções.” Quanto aos cuidados a ter, passam apenas pelas “regras básicas de higiene, quer no acondicionamento dos alimentos pelos estabelecimentos que os doam, quer ainda nas instituições que os recolhem”. Importante neste processo é “a manutenção do circuito de temperatura” e a preocupação em manter os alimentos por períodos de tempo curtos, “proporcionando doações céleres”.
Paula Policarpo sublinha que, apesar de ter sido a recuperação de alimentos o principal foco da sua actividade até agora, o papel da Dariacordar é diferente do da Refood, ou do Banco Alimentar. “O que queríamos era inspirar, mostrar que era possível. Por isso criámos um Manual de Réplica do Programa Zero Desperdício, que actualmente está no site da Direcção Geral da Comissão Europeia de Saúde e Consumidores Europeus e no da FAO como exemplo de uma boa prática.”
Entre as instituições que entretanto assinaram o protocolo com o movimento estão, por exemplo, a Assembleia da República, o Banco de Portugal, a Casa da Moeda, a Caixa Geral de Depósitos, vários hospitais, diversas instituições bancárias e grandes empresas em diferentes áreas. Do outro lado estão os municípios e as organizações ligadas a estes que identificam as famílias necessitadas e lhes fazem chegar os alimentos. Tudo isto, frisa, “utilizando meios já existentes” e evitando assim multiplicações.
Miguel e Henrique, voluntários da Refood, à porta de uma das pastelarias onde foram recolher sobras
Com base nesta estrutura, o Movimento Zero Desperdício já conseguiu recuperar mais de um milhão e 500 mil refeições em sete concelhos do país, reunindo cerca de 100 entidades doadoras e 60 instituições receptoras, e tendo como beneficiários 7300 pessoas. Mas Paula Policarpo insiste numa ideia: “Esta comida serve de complemento. Não queremos que as pessoas se alimentem de excedentes. Neste caso a comida está a ser direccionada assim porque há pessoas a passar fome. Caso não existisse esta necessidade, haveria outras formas de os recuperar”. Ou seja, o objectivo do movimento não é combater a fome, mas evitar o desperdício, e é por isso que os planos não se esgotam no que já está implementado e vão muito para além disso. “O que queremos é promover uma consciencialização para o facto de que quando deitamos comida fora fazemos subir os preços dos alimentos e desrespeitamos ainda mais as pegadas hídrica, carbónica, etc. Deitamos fora um bocadinho dos recursos, escassos, do planeta.”
E acreditam que essa consciencialização deve começar pelas crianças e jovens. Por isso, criaram um pacote para as escolas e estabeleceram um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa — um projecto (que envolve também a agência de publicidade J.W. Thompson, a Fundação Gulbenkian e a Fundação EDP) que irá arrancar já em Janeiro.
A primeira iniciativa, revela à Revista 2 a vereadora Graça Fonseca, será a apresentação de uma colecção de quatro livros sobre alimentação e sustentabilidade, destinados ao ensino básico. Foram convidados quatro escritores e quatro ilustradores: “A Rita encolheu, e agora?”, com texto de Marta Hugon e ilustrações de António Jorge Gonçalves; “A vida difícil de uma manteigueira”, de Isabel Zambujal e Rodrigo Sousa; “Confusão no corredor dos enlatados”, de José Luís Peixoto e Catarina Bakker; e “O tio desafio”, com texto de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, e ilustrações de Carla Nazareth.
“Se começarmos a trabalhar com os públicos mais jovens conseguiremos chegar aos adultos”, diz Graça Fonseca. “A ideia é que sejam livros com temas que as crianças possam trabalhar na escola, e que as levem a perceber, por exemplo, o que significa a nível de desperdício de recursos do planeta de cada vez que não comem a salada.”
Mas o projecto da Câmara, sempre em parceria com as mesmas entidades, é mais ambicioso. “O nosso objectivo é recuperar as cozinhas e as cantinas para que cada vez mais escolas possam confeccionar as refeições no local”, afirma a vereadora. No âmbito do Programa Escola Nova foram já instaladas 12 novas cozinhas, o que faz com que actualmente em Lisboa existam 52 escolas com confecção local e 41 com refeições em catering. Mas em breve será dado um novo passo.
1.500.000 refeições já foram recuperadas pelo Movimento Zero Desperdício em sete concelhos do país, ajudando 7300 pessoas
A escola que vai abrir em 2015 no Convento do Desagravo, na freguesia de São Vicente, vai servir como um espaço de ensaio para a ideia de ter refeições só com produtos de origem nacional, e comprados a pequenos produtores (o projecto Fruta Feia, de recuperação de peças de fruta habitualmente rejeitadas nos super e hipermercados, está já envolvido).
A transformar estes produtos em pratos estará o chef Nuno Queiroz Ribeiro, que, depois de ter estudado no Le Cordon Bleu, em Londres, abriu em Beirute um restaurante de comida vegetariana, vegan, macrobiótica e biológica, e a quem foi agora pedido que desenvolvesse uma ementa apenas com produtos de origem nacional, frescos, “oriundos de produtores/cooperativas nacionais, preferencialmente localizados na região de Lisboa, privilegiando alguns produtores locais que não consigam, regularmente, escoar todos os seus produtos e, portanto, sejam forçados a desperdiçar largas quantidades de alimentos.”
Graça Fonseca explica que, depois de se testar o modelo no Convento do Desagravo, a Câmara pretende alargá-lo progressivamente a mais escolas. E as refeições não saem mais caras? “Sim, são um pouco mais caras, mas é uma opção que os poderes públicos têm que fazer. Tem que ser o sistema público a dar o exemplo, e este modelo tem inúmeras mais-valias, a mais importante das quais é a melhoria da alimentação das crianças.” E, enquanto comem um bolo de espinafres (foi uma das receitas que Nuno Ribeiro já lhes deu a experimentar, e que, conta a vereadora, foi um sucesso), aprendem a importância de não se desperdiçar comida. “É uma aposta nesta geração”, diz a vereadora.
É uma aposta para crescer. Tal como o Refood que, como diz Hunter, “não se expande, replica-se: freguesia, cidade, planeta”. Ou como o Movimento Zero Desperdício, que já não pensa apenas em Portugal mas no mundo. “Se há comida que sobra numa região do mundo e noutro país há necessidade, é preciso encontrar forma de escoar esses excedentes primários e fazê-los chegar onde são necessários”, defende Paula Policarpo. “Estamos já a trabalhar num projecto piloto com dois países”.
Para já, em dois anos muita coisa mudou em Portugal, e os modelos replicam-se a grande velocidade. E o que fez desencadear tudo isto foi uma pergunta simples: porque é que não é possível doar os alimentos que sobram? Afinal era possível.
Os voluntários já conhecem bem os hábitos de cada família e começaram a anotar o que levou cada uma nos dias anteriores, para não haver repetição