Raquel Martins, in Público on-line
Relatório diz que aumento para 505 euros pode abrandar redução do desemprego e dificultar a entrada dos mais vulneráveis no mercado de trabalho.
A Comissão Europeia (CE) alerta que o aumento do salário mínimo (SMN) para 505 euros, em vigor desde 1 de Outubro, poderá abrandar o ritmo de redução do desemprego e dificultar a entrada dos mais vulneráveis no mercado de trabalho. A crítica consta do relatório que avalia a evolução da economia portuguesa após a saída da troika, divulgado esta segunda-feira por Bruxelas.
Com o aumento do SMN em 2014, alerta Bruxelas, “as perspectivas de transição para o emprego por parte dos mais vulneráveis pode deteriorar-se, numa altura em que o desemprego continua elevado, podendo agravar a já existente segmentação do mercado de trabalho entre os que têm emprego e os que não têm”.
O aumento do salário mínimo, reconhecem os técnicos da CE, representa uma melhoria dos rendimentos de quem está empregado, mas “pode tornar a pobreza mais permanente para aqueles que continuam desempregados”, enquanto os efeitos positivos na procura interna fomentam as importações, comprometendo o processo de ajustamento externo.
Mas se os efeitos imediatos no emprego, na pobreza e na competitividade “podem ser relativamente pequenos”, há consequências a ter em conta no curto prazo. “Há o risco de [o aumento do SMN] abrandar o processo em curso de redução do elevado desemprego, especialmente entre os jovens e os trabalhadores menos qualificados; e de reequilíbrio da economia, o que pode por sua vez desencadear efeitos de segunda ordem que são difíceis de projectar nesta fase”, refere a comissão.
A CE até admite que, em termos absolutos, o salário mínimo em Portugal é baixo, mas, contrapõe, também os salários médios e a produtividade são baixos. E lembra que, em 2013, o SMN representava 56% do salário mediano. “Em comparação com outros países com níveis de rendimentos semelhantes e que competem pelo menos tipo de investimento estrangeiro, nomeadamente os da Europa central e de Leste, o salário mínimo em Portugal é relativamente alto”, reforça, lembrando que em 2013 o SMN líquido anual era de 6580 euros, “significativamente superior” aos 4902 euros definidos como o limiar da pobreza.
No relatório, a CE lembra a recomendação do Conselho Europeu de Julho, e que o Governo não cumpriu. Na altura, Bruxelas recomendou a Portugal que mantivesse "a evolução do salário mínimo em linha com o objectivo de promoção do emprego e da produtividade", o que, considera, não aconteceu.
Bruxelas diz ainda que, com base no impacto da subida do salário mínimo entre 2006 e 2011, "teria sido mais prudente um período mais alargado com aumentos mais moderados do salário mínimo, para evitar riscos para a retoma da economia portuguesa e do mercado de trabalho".
“Idealmente, este passo deveria ser acompanhado por outras reformas no mercado de trabalho, para reduzir a sua segmentação e melhorar o funcionamento do sistema de negociações salariais”, lê-se no documento.
O SMN estava congelado desde 2011, mas com a saída da troika, o Governo iniciou uma negociação com os parceiros sociais com vista ao seu aumento. O acordo que decidiu o aumento de 485 para 505 euros foi fechado a 24 de Setembro e teve como contrapartida um alívio dos encargos das empresas que empregam trabalhadores a receber pelo mínimo.
A taxa social única (TSU) paga pela empresa pelos trabalhadores a receber SMN baixou de 23,75% para 23%, medida que vigora até ao início de 2015. Esta redução dos encargos é, para Bruxelas, insuficiente, pois compensa apenas parcialmente a subida salário mínimo, acabando por “prejudicar” a competitividade das empresas e a sua produtividade.
Ainda na área laboral, a CE aplaude as novas regras que reduzem os prazos de vigências dos contratos colectivos, que poderão “dar um novo impulso à contratação colectiva”. Mas a regra que permite a suspensão destes acordos em situação de crise empresarial é “improvável” que tenha um impacto significativo, uma vez que depende de acordo entre os sindicatos e as entidades patronais.
Já os critérios para a extensão dos contratos colectivos aos trabalhadores de empresas que não fazem parte das associações que os assinaram (as chamadas portarias de extensão) são vistas por Bruxelas como um “retrocesso” e poderão “prejudicar o ajustamento dos salários nas empresas com menos produtividade”.
“Esta medida representa um grande retrocesso na reforma da negociação colectiva em Portugal”, lê-se no relatório.
No relatório, os técnicos da CE criticam também as alteraçõesà lei do arrendamento comercial que, dizem, podem "minar a solidez e efectividade do mecanismo geral". Em causa está o alargamento do período de transição e a sua aplicação a microempresas e a instituições sem fins lucrativos e de interesse nacional que permite que os contratos só passem a reger-se pelas novas regras do arrendamento urbano após cinco anos, na ausência de acordo entre senhorios e inquilinos.