Natália Faria, in Público on-line
Estudo analisou as percepções de agentes policiais sobre quem se prostitui. A maioria declarou sentir pena, sobretudo quando a prática daquela actividade procura colmatar carências financeiras.
A prostituição devia ser legalizada, segundo 82% dos polícias inquiridos num estudo apresentado esta quarta-feira, em Coimbra, durante as I Jornadas Científicas sobre Trabalho Sexual em Portugal.
A necessidade de garantir maiores condições de segurança aos trabalhadores sexuais e os benefícios daí decorrentes ao nível da saúde pública são dois dos principais argumentos pró-legalização, segundo o estudo Percepções de Polícias sobre a Prostituição feito por Sofia Matias, no âmbito do mestrado integrado de Psicologia, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
A amostra é reduzida. Abrangeu 34 agentes, a trabalhar em média há cerca de 21 anos, no Porto e em Vila Nova de Gaia, dos quais a maioria com o secundário completo. A maioria (79%) mostrou conhecer a legislação portuguesa sobre a prostituição, a qual, não sendo crime, também não está legalizada. Apesar disso, 15% dos agentes inquiridos consideraram que tanto a prostituição como a sua exploração são crime. “O conhecimento insuficiente da lei verificado num pequeno número de polícias pode conduzir a erros na sua intervenção em situações que não são verdadeiramente crime”, alerta a autora do estudo, para concluir pela necessidade de garantir a formação contínua dos agentes no que concerne estas questões.
Entre os que defenderam a legalização da prostituição, houve quem aludisse à aceitação da actividade como profissão, usando argumentos relacionados com direitos laborais e civis. A possibilidade de os trabalhadores do sexo fazerem descontos para a Segurança foi também defendida por vários inquiridos, a par dos benefícios que tal legalização poderia trazer para o Estado por via de contribuições e impostos.
A necessidade de controlo das pessoas envolvidas na actividade foi outro dos motivos aduzidos a favor da legalização, com vários agentes a defenderem a existência de espaços próprios e devidamente identificados para se praticar a prostituição, com o devido controlo sanitário. “Se houver casas próprias para a actividade, as autoridades conseguem controlar melhor as pessoas que estão envolvidas”, justificou um agente.
Considerando que o estatuto da prostituição “ainda é um pouco obscuro, uma vez que é despenalizada mas não é legal, nem aceite como profissão”, Sofia Matias conclui que “talvez esteja na altura de se ponderar fazer uma revisão” da lei para dar aos trabalhadores do sexo “a protecção e os direitos que lhes são negados”.
A tese não é nova e ganhou nova força discursiva, quando, em Junho, o Instituto Nacional de Estatística anunciou que a prostituição ( mas também o tráfico e o contrabando) passarão a contar para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB). Actualmente, a prostituição não é legal nem ilegal. Simplesmente, não existe na lei. Recorrer a uma prostituta também não é crime. O único criminoso é aquele que instiga a prostituição visando obter proveitos. Nem sempre foi assim. Em 1853 foram criados vários regulamentos sanitários de meretrizes que impunham a obrigatoriedade de matrícula e o porte de um livrete individual de registo de inspecções periódicas. Só em 1962 é que a prática foi proibida. O que “não veio melhorar as condições sanitárias nem morais da população”, segundo lembra Sofia Matias, antes deixou as prostitutas “mais desprotegidas e mais vitimizadas”. Em 1983 a prostituição foi despenalizada e o lenocínio, esse sim, tipificado como crime, “com o intuito de evitar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição”.
Porém, apesar das mudanças na lei “as atitudes moralistas e o controlo social e policial continuam a existir, ainda que de forma subtil”. Por parte da própria polícia, aliás, entre cujos agentes prepondera uma visão negativa da actividade. Questionados quanto aos sentimentos que experimentaram no contacto com quem se prostituía, a maioria dos agentes declarou sentir pena. “A compreensão surge apenas uma vez”, analisa a autora.
Da análise das respostas dadas, Sofia Matias conclui que as concepções da polícia sobre quem se prostitui variam consoante os motivos que levaram alguém à prostituição. “Se esses motivos forem considerados válidos pela polícia, a pessoa que se prostitui é compreendida e desculpabilizada”. Porém, se o polícia considerar que os motivos são fúteis ou injustificáveis, “há uma culpabilização ou condenação moral”. E também há diferenças género a assinalar na percepção dos polícias: os agentes tenderam a desculpabilizar mais as mulheres que se prostituem do que os homens. Porquê? A prostituição masculina é mais vezes associada a luxuria ou a tendências homossexuais, “enquanto a prostituição feminina é mais relacionada com questões de carência financeira”.