Texto de Mariana Correia Pinto, in Público on-line
"Embora - Sete anos entre o Norte e o Sul" é uma compilação de textos escritos por uma jovem de 27 anos, emigrada há sete. São histórias de crescimento e saudades, sobre jovens e família, sobre Portugal e Europa. Apresentação acontece dia 22 na Livraria Desassossego, em Lisboa
Partiu sem grandes convicções e por apenas cinco meses. O pretexto chamava-se Erasmus mas a real motivação era outra: na antiga Alemanha de Leste, Débora Miranda esperava melhorar o alemão que havia começado a aprender anos antes. Tinha 21 anos, frequentava o curso de Ciências da Comunicação na Universidade Nova e tinha muito poucas certezas do que queria. Três meses depois, o sentimento tinha mudado: “Tinha a sensação de que estava a conquistar alguma coisa”, disse ao P3 numa conversa telefónica. Mais de sete anos depois, e com passagens por vários países, a jovem de 27 anos vai lançar “Embora - Sete anos entre o Norte e o Sul", um livro que junta textos escritos nos últimos anos e fala sobre crescimento e saudades, sobre emigrar e (não) regressar, sobre jovens e famílias, sobre Portugal e sobre a Europa.
Depois de três anos na Alemanha, mudou-se para o Reino Unido, onde está actualmente — mas pelo meio passou pela Bélgica, Suíça, Turquia, Argentina e Estados Unidos. “Ganhei um bicho carpinteiro, comecei a ficar farta de rotinas. Foi a grande aprendizagem perder esse medo de mudar”, recorda a jovem que trabalha actualmente na London London School of Hygiene & Tropical Medicine. As diferenças entre Portugal e os lugares por onde foi passando eram óbvias mas, até hoje, continua a achar “difícil” a pergunta que lhe repetem a toda a hora: “Pensas voltar um dia?”. Talvez porque não saiba ainda onde é verdadeiramente o seu lugar: “Não sei onde é a minha casa, não há um sítio onde me sinta 100% em casa”, contou.
O livro “Embora - Sete anos entre o Norte e o Sul", da Chiado Editora, é apresentado dia 22 de Dezembro, pelas 18 horas, na Livraria Desassossego, em Lisboa. O P3 pré-publica um dos textos:
Valores para a troca (24 Setembro 2008)
Quanto mais tempo passa, maior se torna a relação com as raízes. E mais raízes começa a conseguir criar neste novo solo. Se pudesse, transportaria metade do que há aqui para lá, e metade de lá para aqui. As diferenças são demasiadas; não passam tanto pelos graus modestos e a quantidade de precipitação (como todos rotulam) mas mais pela história, pela educação e pela relação que se tem, forçosa ou instintivamente, com as pessoas. E por isso traria o sorriso do Sul para a sinceridade do Norte. Com a franqueza do Norte mas a delicadeza do Sul. Traria as horas à mesa cheia, de casa, para os horários que aqui fazem render o tempo. Traria as cores, as roupas, as malas no lugar das mochilas. Mas vestiria tudo isso com a discrição e a auto-confiança que aqui se encontram por dentro e não por fora. Levaria a pontualidade, o rendimento, a organização extrema, a vontade de ser capaz e a importância do trabalho – para colocar tudo numa caixa de flexibilidade e boa-disposição, bem lá no Sul. Para poder dizer “não me apetece” sem ser etiquetada de preguiçosa. Trá-los-ia todos, de lá para aqui, para verem como é simples viver e ser eficaz ao mesmo tempo. Mas também os levaria, nem que fosse por uma hora, lá para baixo para reverem as suas prioridades. Traria sem dúvida a espontaneidade, o momento vivido quando ele ocorre e não quando foi planeado. Levaria a qualidade de vida e o reconhecimento. Levaria o civismo e o respeito – pelas outras cores de pele, pelo trabalho dos outros, pelas idades inferiores, pelos recém-licenciados. Traria a saudade e a nostalgia para junto dos valores de cá, do enorme interesse por outras culturas, da lição de um país que sofreu na pele as consequências da discriminação. Procuraria – algures – a solução para o balançar extremo em que aterrou e de onde não sabe sair, pois todos os dias se sente mais parte dos dois sítios e de nenhum.