Andreia Sanches, in Público on-line
O valor foi avançado por Mota Soares para dizer que é preciso criar um “tecto” às prestações sociais. Mas o ministro nunca disse quantas famílias recebem “950 euros” em subsídios. A pedido do PÚBLICO, a Misericórdia de Almada foi rever os processos de 400 famílias. Em 400, encontrou duas: uma constituída por sete pessoas, outra por 11.
Durante a apresentação do Orçamento do Estado para 2015, o ministro da Segurança Social anunciou que iria estabelecer um “tecto” para as prestações sociais para evitar que houvesse famílias a receber entre abonos, subsídios e outras ajudas do Estado somas que podiam chegar aos “950 euros por mês”. Pedro Mota Soares falou de “risco moral” — a possibilidade de tais valores constituírem um desincentivo ao trabalho. Desde então, o PÚBLICO tem pedido ao ministério que informe quantas famílias em Portugal recebem montantes destes. Mas a resposta nunca chegou. Por isso, perguntámos a quem dirige instituição sociais quantos casos conheciam.
Lino Maia, que preside à Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), diz que provavelmente “o ministro não estaria a falar de um exemplo real”, mas de “uma impressão”, quando falou da tal família que receberia 950 euros. A CNIS, acrescenta, nunca fez qualquer levantamento sobre o assunto. E remata: “não é este o momento” para divulgar qual a posição da confederação sobre esta matéria.
Certo é que a ideia de estabelecer um “tecto” nas prestações, bem como a ideia de que há gente a receber montantes que podem desincentivar a busca de trabalho, marcaram os últimos meses de um ano em que se assistiu a uma nova diminuição de alguns apoios destinados a combater a pobreza, como o Rendimento Social de Inserção (RSI). À falta de dados nacionais, pedimos a três instituições sociais que respondessem: quão vulgar é haver famílias a receber valores como o citado pelo ministro.
O exercício é difícil (o que se contabiliza? — é a primeira pergunta que vários especialistas têm colocado e as instituições também). Apenas a Santa Casa da Misericórdia de Almada aceitou o desafio. Fez o levantamento das 394 famílias que recebem RSI e que são acompanhadas pelas sua equipas. Primeira conclusão: “Apenas oito apresentam um acumulado de apoios sociais superior a 700 euros, 2% do total de famílias beneficiárias”, começa por revelar Pedro Ferreira, técnico coordenador do RSI da Misericórdia de Almada.
11 pessoas, 984 euros
As oito famílias que aqui recebem 700 ou mais euros de subsídios e apoios têm em comum o facto de serem numerosas, a maioria com várias crianças. Por exemplo: há dois casais, cada um com cinco menores a cargo. Um desses casais não tem qualquer fonte de rendimento próprio e recebe 940 euros de RSI e de abonos, o que dá 134 euros per capita, por mês. Para pagar casa, gás, luz, alimentação, e tudo o mais.
No caso do segundo casal com cinco filhos menores, só a mãe trabalha, em part-time, com um salário de 189 euros por mês. Junta a esse montante 716 euros de RSI e de abonos. São 102 euros por pessoa/mês.
Dos oito casos assinalados pela santa casa, aquele em que o montante das prestações sociais é maior é o de uma família de 11 pessoas. Esta família, chamemos-lhe “família Sousa”, não tem rendimentos de trabalho.
São sete adultos (só um frequenta um curso de formação) e quatro menores. O agregado recebe 984 euros em apoios do Estado, entre RSI e abonos. “Apesar de parecer um valor elevado, não se pode dissociar do mesmo o número de pessoas que constituem este agregado familiar: sete adultos e quatro menores”, sustenta Pedro Ferreira. Faça-se as contas: cada membro da “família Sousa” recebe o equivalente a 89 euros por mês.
“Este agregado familiar apresenta um total de despesas fixas, sem contar com alimentação, de 211,50 euros por mês”, prossegue o técnico. O que significa que, pagas essas despesas, sobram, na verdade, para a alimentação e tudo o resto, 70 euros por pessoa por mês. Refira-se, prossegue Pedro Ferreira, “que se considera que uma família está em situação de precariedade económica quando a capitação é igual ou inferior a 199,53€ (valor de referência que corresponde à pensão social) per capita”.
Ou seja, segundo Pedro Ferreira, tecnicamente a “família Sousa” está baixo do conceito de “precariedade económica”, mesmo com 980 euros de apoios do Estado a dividir por 11 que recebe.
“Uns malandros”
O levantamento da Misericórdia de Almada teve em conta o RSI, abonos e outros apoios sociais, como o fundo de garantia de alimentos a menores, subsídios de acolhimento, transporte, alimentação e bolsas de formação para cidadãos a frequentar cursos do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Excluiu apoios escolares e de renda. “Não nos é possível quantificar, uma vez que os mesmos não são apoios financeiros dados às famílias, mas sim isenções, reduções ou atribuições em géneros que lhes são atribuídas. Para quantificar os valores pagos às famílias, parece-nos apenas plausível considerar aqueles que mencionámos”, acrescenta o técnico de Almada.