in SicNotícias
A história de Ariana e de Filipe é a prova de que os tempos de abnegação e de sacrifício pelo outro podem ser de grande labor e de enorme prazer para quem os vive.
Jovens, apaixonados, bem empregados, ela advogada num dos maiores escritórios de Lisboa, ele advogado numa sociedade de renome internacional, com sede em Londres, Ariana Simões de Almeida, 33 anos, e Filipe Alfaiate, 37, tinham o mundo todo na mão e, no horizonte, o futuro profissional que todos os pais desejam para os filhos.
Há seis anos, numa viagem a Timor, descobriram que, afinal, era ali, naquela terra poeirenta e húmida, onde as galinhas andam na rua à solta e as crianças correm descalças para abraçar com o sorriso, era ali, entre gente pobre, a gente mais pobre do mundo, de pele queimada e mistério no olhar, era mesmo ali, no coração da terra e na alma das pessoas, que era possível “mudar vidas, um dia de cada vez”, como há tempos contaram à repórter do Público, que os foi descobrir, felizes, entusiasmados e transpirados, entre velhos pescadores e agricultores que, até sua chegada, nunca souberam como se podia tirar sustento daquele mar imenso, da árvore do café e das leiras perdidas na montanha.
Mudando estas vidas, um dia apenas de cada vez, assim, sem pressas, se mudaria o mundo, a partir do nada. E assim foi e assim está a ser.
O reconhecimento público chegou há dias pela mão do Presidente de Timor-Leste ao atribuir à organização não governamental (ONG) criada pelo jovem casal o Prémio Direitos Humanos Sérgio Vieira de Mello, um gesto que pretendeu enaltecer a originalidade e o valor dos projetos sociais, culturais e sobretudo de luta contra a pobreza, desenvolvidos por Ariana e Filipe em 8 dos 13 distritos do país.
O trabalho dos colaboradores, já mais de uma dezena, da Empreza Di“ak, que em português significa Bom Negócio, dispensa contratos de compra e promessas de venda assinados em notário ou repartição pública, viagens e negócios, colarinhos brancos, engravatados, clientes de fatos engomados, computadores e smartphones, aeroportos e táxis, entre escritórios de Lisboa, Londres ou Paris.
Ao aterrarem em Dili, Ariana Simões de Almeida e Filipe Alfaiate deixaram para trás esse mundo para entrar num outro, bem mais próximo das origens e do coração dos homens. Um mundo que exigia sobretudo abnegação, sacrifício e coragem para sobreviver às estradas esventradas com curvas de arrepiar, para ganhar a confiança de gente por natureza desconfiada, para convencer comunidades locais, isoladas e traumatizadas pela guerra e pela miséria de que é possível combater a pobreza envolvendo e dignificando quem nada tem, lutando pela cana e não se limitando a esperar pela dádiva do peixe.
Aos poucos, descobriu-se que os produtos importados da Indonésia não eram mais baratos, reparou-se que não se vendia um quilo de fruta ou uma dúzia de ovos para além do espaço de cada aldeia, por falta de hábito e de redes de transporte, concluiu-se que não havia peixe seco, mais acessível no preço e de maior consumo, por falta de sal e por desconhecimento das regras de higiene e de conservação.
Como era possível uma terra tão pobre importar produtos que tem nos seus mares, campos e florestas? Por que não evitar a morte de atividades artesanais, transformando saberes ancestrais em resposta de sobrevivência de famílias inteiras?
“O caminho faz-se caminhando”, encontrando respostas práticas para cada pergunta simples. Com muita persistência e alguns apoios internacionais, a própria ONG passou a estabelecer parcerias e a partilhar riscos com pequenos pescadores, artesãos, agricultores, comerciantes locais, que quiseram aderir a cada projeto. Um dos trabalhos mais significativos melhorou a vida de uma comunidade de 300 pescadores, cujos rendimentos familiares aumentaram de 5 para 60 euros semanais graças a pequenos negócios sustentáveis de peixe seco. Outro bom negócio é o fabrico artesanal de potes de barro. A técnica é muito antiga e o segredo de como se misturam os materiais e se modela a terra e o barro estava guardado na memória de duas anciãs, com mais de 90 anos, que agora transmitiram o gosto e o saber às novas gerações.
Os Bons Negócios foram crescendo em entusiasmo e número de pessoas beneficiadas. De aldeia em aldeia, um dia de cada vez, Ariana e Filipe vão mudando o mundo, assim, a partir do nada.