por Filipa Ambrósio de Sousa, in Diário de Notícias
Maus tratos. Joana Marques Vidal quer equipas específicas no Ministério Público para combater a violência doméstica. No ano passado foram julgados 3.541 casos por agressões domésticas e 29 condenados por homicídio conjugal.
Os 15 anos que Ana Paula esteve casada com José Manuel valeram-lhe marcas no corpo irreversíveis. Chapadas, socos na barriga, pontapés na cabeça e apertões nos braços aterrorizaram a empregada de loja de 46 anos. No Verão do ano passado, convencida pela irmã, decidiu que estava na altura de fazer queixa à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Noémia, 51 anos, seguiu o exemplo de Ana Paula. Cansada de ser perseguida por um ex-namorado que não aceitou a separação, tomou a decisão quando um dia chega a casa e encontra o seu gato morto à entrada de casa. Nestes dois casos, depois da queixa na APAV, seguiu-se o inquérito no Ministério Público (MP) e o julgamento realizado nas varas criminais de Lisboa em Junho de 2013.
No ano passado 7.265 vítimas dirigiram-se à APAV para reportar os abusos constantes que sofriam dos maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados, ex-namorados, filhos ou mesmo netos. Ana Paula acabou por ver o homem com quem durante mais de uma década partilhou a casa sentado no banco dos réus. O medo que durante anos invadiu a sua vida voltou quando ouviu da boca do juiz a sentença: a pena de prisão de três anos...suspensa. Ou seja: o arguido iria sair em liberdade e com probabilidade de voltar a agredir a ex-mulher. Tal como Noémia: dois anos de pensa suspensa depois dos 10 meses de tormentos físicos em que a sua relação se tornou.
Segundo dados da Direção-geral de Política de Justiça (DGPJ), apenas 3.541 dos inquéritos do Ministério Público - num universo de queixas bem mais expressivas como demonstram os dados da APAV - chegaram a julgamento. Ou seja: apenas 48% dos casos recebidos pela APAV em 2013 chegaram posteriormente a julgamento. Cenário que tende a piorar se olharmos para o número de condenados que entraram nas cadeias portuguesas no mesmo ano: 96 reclusos para cumprir pena de prisão efetiva pelo crime de violência doméstica, segundo registos dos serviços prisionais. No total, há um ano, encontram-se 427 presos por maus tratos domésticos (96 que entraram e os restantes 331 que já estavam a cumprir pena em 2012).