por João Pedro Vitória, em Paris, in RR
Uma rede de cuidados para crianças, benefícios fiscais e apoios financeiros para o início das aulas em cada ano lectivo são algumas medidas subsidiadas pelo Estado no país com a segunda taxa de natalidade mais elevada da União Europeia.
por João Pedro Vitória, em Paris
França tem a segunda taxa de fertilidade mais elevada da União Europeia: cada mulher tem, em média, dois filhos. Média mais alta, só a Irlanda. Em Portugal, uma mulher tem, em média, 1,23 filhos.
Em França, a política influenciou e continua a influenciar positivamente a natalidade, sendo, pelo menos, uma parte do sucesso atribuída ao consenso entre os actores políticos sobre a importância das políticas de família. Em Portugal, os especialistas traçam um cenário oposto: há mesmo quem fale num país "antinatalista".
Olivier Thevenon, investigador do Instituto de Estudos Demográficos francês, explica à Renascença que o foco das políticas de família foi mudando ao longo dos últimos 40 anos: "O apoio à fertilidade já não é um objectivo em si. Para incentivar a natalidade, o Estado acreditava que tinha de apoiar a criação de famílias numerosas. Agora, a primazia vai para o apoio à manutenção de padrões de vida, porque, quando se tem uma família maior, o padrão de vida pode diminuir".
No final da década de 1970, o Presidente Giscard d'Estaing queria um país "numeroso, feliz e pacífico" e lançava a chamada "política do terceiro filho", entre muitas outras iniciativas que são a base das políticas de família de hoje.
Olivier Thevenon defende que a estabilidade das políticas é fundamental: "Parte do sucesso francês deve-se ao consenso, entre os partidos políticos, sobre as políticas de família. Sabemos que não vão mudar drasticamente com a alternância no poder. Se queremos que as medidas tenham um impacto temos de assegurar às pessoas que, quando tiverem filhos, vão ser apoiadas desde o nascimento até ao fim da idade escolar e que isso não vai mudar porque muda o Governo".
Conciliar trabalho e família
É em torno da conciliação entre o trabalho e a vida familiar que se organizam os diferentes apoios públicos, desde os benefícios fiscais à subsidiação de amas ou à rede de creches públicas.
Não se pense, contudo, que é fácil encontrar vaga num destes infantários: faltam 400 mil lugares, estima o próprio Estado francês. Mas os cofres públicos ajudam as famílias a pagar a quem fique com as suas crianças durante o horário de trabalho.
Juliette Daudeigne, de 44 anos, tem dois filhos, ganha 2900 euros por mês, é funcionária pública. Não lhe falta o dinheiro, mas diz que também não vive folgada. O apoio do Estado para pagar uma ama para os seus dois filhos foi precioso.
"Nenhum dos meus dois filhos teve lugar numa creche, foi preciso pagar a alguém para ficar com eles. Por exemplo, para o meu filho de três anos paguei a uma ama que tomava conta de outras crianças em sua casa, 900 euros por mês. Felizmente o Estado ajudava-me com 350 euros. Se fosse actualmente, não podia pagar. Três anos depois não poderia pagar".
Julliette admite que não foi por haver ajudas do Estado que decidiu ter filhos, mas que isso "facilitou as coisas". Sem ajudas, talvez tivesse ficado pelo primeiro filho.
As despesas com as amas podem ainda ser deduzidas em sede de IRS e mesmo nas creches públicas o preço é baixo, explica Olivier Thevenon. "A principal solução são os cuidadores, as amas. Os pais recebem um subsídio do Estado para ajudar a pagar esses custos, e podem deduzir essas despesas nos impostos".
As creches públicas são financiadas pelo Estado e pelas autarquias e geridas por prestadores do sector social ou privado. O financiamento estatal "cobre dois terços dos custos. Desta forma o custo para as famílias é, também, baixo: é metade do preço real dos cuidados para as crianças e, embora aumente consoante o rendimento das famílias, mesmo para os mais abastados continua sendo baixo".
Ninguém está sozinho
Será assim tão fácil ter um filho em França? Mais do que fácil, é normal — é pelo menos esse o sentimento com que ficamos depois de falar com algumas famílias parisienses. Há uma mensagem de confiança transmitida pelo Estado, sublinha Christophe Giraud, pai de três filhos: dois gémeos de oito anos e um terceiro, de quatro.
"Ter uma família em França é, mais do que fácil, uma coisa normal. Nunca nos colocámos a questão do custo financeiro, porque se o tivéssemos feito teríamos concluído não ter tantos filhos, até porque temos um pequeno apartamento em Paris e em termos de tamanho... Bom, estamos bastante apertados. O que faz com que tenhamos menos medo é saber que podemos ter filhos e continuar a trabalhar a tempo inteiro, tanto a minha mulher como eu. Para mim o facto de haver creches é uma ajuda inestimável. Os abonos de família são uma pequena ajuda, mas não são determinantes".
Para as mulheres sozinhas, a confiança de um Estado que providencia parece, igualmente, ser fundamental. Djia Nabá, de 49 anos, vive sozinha com os seus quatro filhos nos arredores da capital francesa e confessa que "não é fácil, nunca é fácil ter uma família. Eu sou mãe solteira, vivo sozinha, mas em França existe, talvez, a vantagem de sermos ajudadas e integradas: afinal não estamos sozinhas".
"Há toda uma política social de ajuda à família para tudo o que tem que ver com as despesas. Por exemplo, os custos escolares: há uma ajuda para o regresso às aulas, e eu penso que isso é importante. Porque não nos iludamos, para criar uma família são precisos meios, e por isso estas ajudas são importantes", disse.
Esta professora do ensino público sublinha que as despesas escolares e associadas são todas indexadas ao rendimento das famílias e destaca também que em França o princípio da solidariedade é posto em prática. "O que é extraordinário em França é que tudo o que é suposto pagar-se na escola, quer seja na cantina, quer seja nas visitas de estudo, é calculado em função dos seus rendimentos. Existe uma escala, de um a cinco, e é possível pagar-se muito ou muito pouco. Aqueles que têm mais pagam pelos que menos têm".
Receita para o sucesso: equilíbrio e complementaridade nas políticas
Em Portugal, o Governo quer lançar algumas medidas fiscais como incentivo à natalidade. Uma ideia: uma redução na taxa de IRS, que aumentará de forma progressiva, associando, assim, as deduções ao número de filhos. Outra: enquadrar o Imposto Municipal Sobre Imóveis pelo tamanho do agregado familiar. Alargar as licenças de maternidade e alterar os horários de funcionamento das creches são só outras das propostas, que, contudo, ainda demorarão a ver a luz do dia.
O investigador que nos tem acompanhado neste retrato do sucesso das políticas de família francesas entende que nem tudo está nos benefícios fiscais. Olivier Thevenon sublinha que a chave do sucesso reside no equilíbrio dos diferentes tipos de apoio: "Estudos que fizemos e que analisaram o impacto das diferentes políticas de família mostraram que o equilíbrio entre os vários tipos de apoios - licenças, apoios financeiros, rede de creches e seu financiamento - é a chave para encorajar a natalidade".
No Inquérito à Fecundidade, de 2013, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística, os casais portugueses afirmaram que desejariam ter mais filhos: em média, 2,31 filhos, mas alegaram constrangimentos vários para que, na realidade, se tivessem ficado pela metade.