23.8.23

“A questão estrutural é o mercado de trabalho”

Joana Ascensão, in Expresso


Um jovem que até aos 30 anos aufira um salário baixo, perante os preços da habitação e o custo de vida em geral, terá maior dificuldade em se autonomizar mesmo passada essa “fronteira” de idade. Por consequente, atrasa alguns ciclos de vida. A fatura pode chegar para outras gerações, com o desequilíbrio do “contrato social”

Por que razão os jovens saem cada vez mais tarde de casa dos pais?

Se olharmos para os jovens até aos 24 anos, deve-se ao facto de estarem a frequentar o ensino superior. Já os jovens da faixa etária seguinte, dos 25-34 anos, estarão em plena vida ativa e numa idade de maior autonomização e de construção de um percurso profissional. Neste segundo grupo, sem dúvida que a razão estrutural tem que ver com o mercado de trabalho e as dinâmicas de funcionamento, cuja precariedade e baixos salários afetam mais os jovens do que os seniores. Outro fator conhecido e muito discutido são as insuficiências do mercado de habitação, um fenómeno que não está a afetar só as grandes cidades, mas a avançar paulatinamente para o interior do país e para as cidades médias.

Como se explica esta disparidade salarial entre gerações?

Com o grande aumento das pessoas com ensino superior, seria de esperar que a formação qualificada fosse valorizada no mercado de trabalho. A geração anterior entrou num mercado com menos pessoas qualificadas e, portanto, essas pessoas não tinham tanta “concorrência”. Hoje em dia já não é assim. Se o ensino superior continua a garantir alguma vantagem salarial, ela tem diminuído com o tempo. Depois, a economia portuguesa sempre foi assente em baixos salários. Há algumas profissões bem remuneradas, mas, como se sabe, em muitas não só não há perspetivas como não há valorização.

Que consequências sociais o tombo de uma geração pode ter para o país?

O adiamento da entrada na vida adulta tem impacto na natalidade, por exemplo. Teoricamente, quanto mais tarde se sai de casa dos pais, mais tarde se tem filhos. Claro que se pode ter filhos em casa dos pais, mas se pensarmos num projeto de vida que passe por uma conjugalidade e vida em comum, sabemos que esse projeto será adiado. Ora, o adiamento da natalidade tem consequências sociais além dos próprios jovens. Vemos políticas públicas que tendem a favorecer esses projetos, como as creches gratuitas, mas dificilmente resultam se tudo à volta dificultar.

Esta geração dos baixos salários conseguirá suportar as reformas dos que se irão aposentar daqui a 20 anos?

Não sabemos. A sustentabilidade da Segurança Social está assegurada, entre aspas, nas condições atuais e previstas. Sabemos que as pessoas daqui a 20, 30 ou 40 anos vão receber reformas muito mais baixas do que receberiam se se reformassem agora. Mas o contrato social de bem-estar que existe na Europa é baseado na solidariedade entre gerações, em que uma geração assegura o bem-estar da geração que a antecedeu. De facto, não é por acaso que as políticas europeias estão preocupadas com a empregabilidade jovem e a sua inclusão social — porque ela, pensada de forma ampla, incluindo a habitação, é fundamental para manter este contrato social. No futuro vamos ter menos população: menos pessoas terão de sustentar mais pessoas e mais idosas. Se as medidas que temos são eficazes? Tenho as minhas dúvidas.