29.8.23

Temos (mesmo) de falar sobre pobreza e exclusão social

Tiago Pereira, opinião, in Observador



Todas as pessoas com doença mental vivem ou viveram em situação de pobreza e exclusão? Não. Mas, não sendo uma inevitabilidade, há uma relação forte com os problemas de saúde mental.


Eu e você sabemos, já o experimentámos. Quando não estamos bem, quando sentimos preocupação, angústia ou ansiedade, falar com alguém sobre o que se passa connosco pode ajudar-nos. Tal e qual pode ajudar-nos ouvir alguém falar sobre como lidou com as suas situações, situações essas que muitas vezes nos são próximas. Ou aceder a informação de qualidade, cientificamente validada e ajustada aos nossos conhecimentos, experiências e necessidades para que possamos melhor reconhecer o que estamos a vivenciar, atribuir-lhe significado e promover mudanças. Para, por vezes com sucesso, desenvolvermos estratégias, incluindo de autocuidado, visando a adaptação a novas situações e a adversidades ou acontecimentos de vida negativos. Temos (mesmo), portanto, de falar sobre saúde mental.
Mas falar sobre saúde mental implica falar também sobre o que a influencia e, muitas vezes, determina. Da pandemia que vivemos ao impacto das novas tecnologias na sociedade e na forma como aprendemos, trabalhamos ou nos relacionamos. Da crise climática e suas consequências, das migrações voluntárias ou forçadas, da guerra que persiste em demasiados territórios pelo Mundo e que voltou à Europa. Da precariedade e das crises socioeconómicas. Da pobreza e exclusão social.

Cresci numa aldeia que, durante muito tempo, via partir pessoas, demasiadas pessoas, e, com elas, “partiam” famílias, relações e a comunidade. Pessoas que, como o meu avô (e depois os meus dois tios), saíam da aldeia e depois do país a pé, boleia aqui, boleia ali, a caminho de diferentes cidades e países, no seu caso de uma Paris onde habitavam mais portuguesas e portugueses do que em qualquer cidade portuguesa. Partiam em busca de romper com uma pobreza destinada a si, à sua geração e às gerações seguintes. De romper com um ciclo de exclusão, por ela potenciado e aprofundado pela falta de liberdade de expressar e viver direitos. Os seus e, naquele caso, os da minha mãe e os meus futuros direitos. Eu sei o quanto a pobreza impacta a possibilidade de saúde, de bem-estar, de autodeterminação. Eu sei o quanto a pobreza e a exclusão limitam e obstaculizam a saúde mental. Eu sei e você sabe-o. Se queremos falar sobre saúde mental, temos (mesmo) de falar sobre pobreza e exclusão social.

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