24.8.23

Lisboa é das cidades onde as rendas mais sobem: porquê?

Helder C. Martins Jornalista, in Expresso


Falta de oferta em todos os segmentos de arrendamento, pressão de estrangeiros e falta de confiança no mercado devido ao Mais Habitação são algumas das explicações apontadas pelos analistas


Lisboa foi a cidade em que as rendas dos imóveis melhor situados mais cresceram no primeiro semestre de 2023, num conjunto de 30 cidades analisadas a nível mundial pela consultora Savills.

Os dados dão conta de um crescimento de 13,9% nos preços das rendas ‘prime’ na capital, o maior de qualquer cidade europeia e, apenas seguido de perto por Singapura (13,6%). A capital portuguesa é também a que maior crescimento homólogo (face ao mesmo período do ano passado) regista.

Os dados desta consultora especializada em imóveis de luxo, cujos valores de rendas mensais propostos em Portugal vão de 1850 euros por um estúdio até aos 10 mil euros por um apartamento num edifício histórico, foram publicados em julho, e já na altura divulgados pelo Expresso. Mas ganharam força esta semana, por terem sido incluídos num artigo do Financial Times.

A subida das rendas é transversal a todos os segmentos, embora com nuances, dizem ao analistas contactados pelo Expresso. Argumentam que a falta de oferta generalizada acompanhada pela instabilidade legislativa, incluindo as nova limitações às rendas trazidas pelo Mais Habitação, são alguns dos fatores que explicam o aumento das rendas.

“Existe muito pouca oferta imóveis para arrendamento em Portugal. A oferta existente é mínima seja qual for o segmento de mercado a que se destine e em todas as tipologias”, diz Carlos Vasconcellos, administrador da Quest Capital, empresa de investimento imobiliário que detém o maior portefólio residencial em Portugal, com mais de 3 mil apartamentos em arrendamento.

Como um dos focos de pressão para o aumento das rendas, Carlos Vasconcellos salienta um “aumento significativo” da procura por parte de estrangeiros para arrendamento de longo prazo, pois escolhem Portugal para fixar residência.

“Neste momento, a pressão da procura que existe leva a que se faça leilão no arrendamento”, salienta.

O administrador da Quest Capital, acrescenta que um outro fator que influi muito na redução de oferta prende-se com o programa Mais Habitação, que desde o seu anúncio em fevereiro, levou uma boa fatia de proprietários a retirar as suas casas do mercado e a vendê-las. “Entenderam que, com tantas limitações e incógnitas, não fazia sentido manter as casas no arrendamento porque não compensa”, afirma.


Em matéria de arrendamento, existe uma tempestade perfeita”, diz Carlos Vasconcellos

O responsável refere-se não só ao limite de 2% no aumento de rendas dos novos contratos previsto no Mais Habitação, como à perspetiva de novo congelamento da atualização de rendas existentes. “Em matéria de arrendamento, existe uma tempestade perfeita”, conclui.

No ano passado, o Governo decidiu fixar a atualização para 2023 em 2%, devido à inflação, quando o o previsto na lei – inflação média dos últimos 12 meses - apontava para 5,43%. Para 2024, a atualização legal ficará acima dos 7% - os dados da inflação de agosto serão conhecidos na próxima semana – mas os senhorios já anteciparam novo congelamento.

RENDAS AUMENTAM APÓS ANÚNCIO DE CONGELAMENTO

Os possíveis efeitos negativos da instabilidade legislativa, sejam o travão de 2% na atualização, sejam os limites do Mais Habitação, no aumento das rendas é também destacado por Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário. A par da redução de oferta, logo com o anúncio do travão da atualização das rendas em 2,0%, as novas rendas contratadas subiram uns inéditos 10% trimestrais.

“Chegados ao 2º trimestre de 2023, o índice de rendas alcançava uns expressivos 29,6% em Lisboa, mostrando os efeitos das medidas sobre os inquilinos, em especial sobre os que estão fora do mercado e pretendem aceder à habitação”, afirma.

Uma tendência em linha com os últimos dados disponibilizados pelo INE para o primeiro trimestre que dá conta de um aumento de 20,6% das rendas dos novos contratos em Lisboa (14,50 €/m2) +20,6%), e de 22,1% no Porto (11,25 €/m2) .

A OUTRA FACE DO ARRENDAMENTO

Diana Ralha, diretora de comunicação da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), reconhece que os preços das rendas estão a aumentar, à semelhança de outros bens, mas salienta que a maioria dos senhorios “não está a praticar preços desajustados, apesar da inflação”.

Lembra que os Censos de 2021 apontam para uma renda média de menos de 400 euros mensais e esclarecem que há mais rendas em Portugal abaixo dos 50 euros do que contratos acima dos 1000 euros. “A renda mediana dos mais de 7000 contratos que a ALP gere pelos seus associados, a esmagadora maioria dos quais na Grande Lisboa, é de cerca de 600 euros”, salienta.


A maioria dos senhorios não está a praticar preços desajustados, apesar da inflação. (…) “O medo instalou-se” entre os senhorios, diz a ALP

Para a responsável, desde 16 de fevereiro com a mera apresentação do Mais Habitação “o medo instalou-se” entre os senhorios. “Ninguém sabe já o que vai acontecer: se há rendas limitadas e até que valor, se vai haver aumentos administrativos, se os impostos baixam, se as rendas antigas ficam congeladas para sempre à custa dos senhorios, se as autarquias vão entrar pelas casas devolutas a dentro, se o que vale hoje amanhã ou depois não é revertido”, salienta.

Face à incerteza, a responsável adianta que quem pôde aumentar os valores da renda, ou seja, quem tinha casas vagas, ou pôde fazer oposições à renovação, aumentou preventivamente as mesmas, face às ameaças do Mais Habitação de não poder aumentar mais do que 2% nos próximos contratos. “Outros houve que venderam mesmo a sua habitação.

A procura é muito forte. A oferta é escassa”, afirma , relembrando o desinvestimento do Estado na habitação – o parque público é de 2% quando na Holanda é de 25% - , os congelamentos de rendas que datam do século XX, entre outros fatores.