29.8.23

Lei passa a atribuir prioridade à prevenção da violência juvenil

Mariana Oliveira, in Público


Anterior lei de política criminal está caducada desde o ano passado, porque Governo atrasou-se um ano a apresentar nova no Parlamento. Maioria dos crimes considerados prioritários mantêm-se.


A violência juvenil vai passar a ser considerada a partir da próxima sexta-feira numa prioridade da política criminal essencialmente ao nível da prevenção. Isso mesmo determina uma lei publicada esta segunda-feira em Diário da República, que estabelece o rol de crimes considerados prioritários, tanto ao nível da prevenção como da investigação criminal, entre 2023 e 2025.

A anterior lei, que definia as orientações da política criminal entre 2020 e 2022, está caducada desde final de Agosto do ano passado. Deveria ter entrado no Parlamento até 15 de Abril do ano passado uma nova proposta, mas o Governo acabou por fazê-lo com mais de um ano de atraso. No essencial, contudo, os crimes considerados prioritários mantêm-se.


“Prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada, a criminalidade grupal, a violência juvenil, a fraude de identidade, a criminalidade económico-financeira, o terrorismo e criminalidade conexa, a violência doméstica, a violência de género, os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, os crimes de auxílio à imigração ilegal, incêndio florestal, contra a natureza e o ambiente e a criminalidade rodoviária”, lê-se no primeiro dos três objectivos específicos desta lei.


Além da violência juvenil também surge de novo a referência à “fraude de identidade”, que, contudo, ao contrário da primeira nunca mais volta a ser referida no diploma. “Os crimes praticados em contexto de violência grupal com uso de armas de fogo e de armas brancas e o fenómeno da violência juvenil são também realidades de crescimento importante, que exigem políticas activas idóneas à sua contenção”, sublinha-se na fundamentação das prioridades. E acrescenta-se: “Tomando, por exemplo, os números da delinquência juvenil constantes do Relatório Anual de Segurança Interna [RASI] de 2021, registou-se um aumento de 7,3% do número de ocorrências e no RASI de 2022 de 50,6%, pelo que se revela necessário conferir maior atenção, em especial por via da prevenção criminal, aos fenómenos assinalados, por potenciarem crimes graves contra a vida e contra a integridade física, fortemente indutores de alarme social e de sentimentos de insegurança entre as pessoas”.


Com 1687 ocorrências registadas o ano passado, a delinquência juvenil aumentou 51% o ano passado face a 2021 e 7,6% relativamente a 2019, apresentando o valor mais alto dos últimos sete anos. Isso levou o Governo a avançar com a criação de uma comissão que está a estudar este fenómeno. Estes números dizem respeito a factos qualificados como crimes, mas cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos, idade a partir da qual se pode ser responsabilizado por um ilícito criminal. Também a criminalidade grupal cresceu em 2022 (18%) relativamente ao ano anterior, contabilizando 5895 ocorrências, ou seja, mais 11,5% do que as registadas em 2019.


Promover a protecção de vítimas de crime, em particular das especialmente vulneráveis (como as crianças, as grávidas e os idosos, entre outros) e apostar na reintegração dos condenados são os restantes dois objectivos específicos desta lei, que pretende igualmente garantir a celeridade processual.


A anterior lei foi publicada em plena pandemia de covid-19, o que justifica que inclua entre os crimes de “prevenção prioritária” a propagação de doença, que sai do novo rol. O mesmo acontece com o crime de condução sem habilitação legal que deixa de ser prioritário, ao contrário do que acontece com a condução perigosa, da condução em estado de embriaguez ou sob a influência de drogas, que se mantêm.

Deixam ainda de ser considerados prioritários a nível de investigação “os crimes contra a autoridade pública cometidos em contexto de emergência sanitária ou de protecção civil” e igualmente a “propagação de doença”.


Há oito gabinetes de apoio às vítimas de violência


São oito os gabinetes de apoio às vítimas (GAV) de violência doméstica ou de género a funcionar em Portugal, estando prevista a abertura de mais dois no próximo ano. Tal resulta de um compromisso do Governo que garante que vai criar dois GAV por ano, promessa já cumprida em 2023, informa o Ministério da Justiça numa nota divulgada esta segunda-feira a propósito da publicação da lei de política criminal. Os dois gabinetes instalados este ano estão a funcionar nas comarcas de Aveiro (a cargo da Cáritas Diocesana local) e do Porto-Este, com sede em Penafiel (nas mãos da Associação para o Desenvolvimento de Figueira). Dos restantes seis, criados em 2019, dois são assegurados pela Associação de Apoio à Vítima (Braga e Faro), dois pela Associação de Mulheres Contra a Violência (Vila Franca de Xira e Sintra) e os restantes pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (Almada e Coimbra). “Em 2022, os GAV realizaram mais de 9500 atendimentos e apoiaram 1.619 vítimas de violência doméstica”, precisa a nota.


Passa a ficar expressamente prevista como de investigação prioritária o crime de roubo na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca. No âmbito da criminalidade económico-financeira, a lista passa a especificar “a fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e o desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado”.

A lei tem um artigo dedicado à prevenção da reincidência, onde se prevê que compete à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desenvolver programas de prevenção da reincidência para jovens adultos, bem como para condenados por crimes de violência doméstica, contra a liberdade sexual, de incêndio florestal e rodoviários, tanto em meio livre como em meio prisional. O artigo prevê que a DGRSP deve disponibilizar, no início de cada ano judicial, ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) e à Procuradoria-Geral da República “informação sistematizada sobre os programas existentes, incluindo o seu conteúdo, os seus objectivos e as condições de frequência”.


No entanto, num parecer durante este processo legislativo, o CSM destacava que o mesmo estava previsto nas duas leis de política criminal anteriores. “Importa investir na concretização de tão ampla e importante tarefa para que se sinta os resultados práticos dos objectivos aí previstos, deixando de ser um objectivo apenas expresso na lei sem que se alcance a sua realização”. Sobre o dever dos serviços prisionais informarem o órgão de tutela dos juízes dos programas existentes, este queixa-se que “tal não tem acontecido com a frequência desejada e não tem sido suficiente para divulgar os programas a nível nacional, continuando a existir desconhecimento da maior parte das comarcas e dos tribunais de recurso sobre os programas existentes e sua eficácia”.

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